Apaga esse sorriso da cara: estudar sem esforço para concurso, um objetivo impossível (Parte 11)  

27/07/2018

"Todo lo dora un buen fin, aunque lo desmientan los desaciertos de los medios". Baltasar Gracián

 

 

 

  1. A bons fins, bons meios

 

Somente os néscios consumados e os cegados pela estupidez acreditam nos atalhos. Não, não existem[1]. Frente a quem entende que todas as artimanhas e/ou fórmulas mágicas para aprender não constituem um mal consentido, direi que é inútil pretender alcançar um fim difícil por meios fáceis. Só é necessário sentido comum para ver que as melhores lições costumam ser as mais difíceis.

O problema é que somos preguiçosos, tão preguiçosos que, em geral, gostamos e preferimos que nos assinalem a linha de pontos que temos que unir com o lápis. Pensar e razoar é um exercício às vezes mais esgotante que a zumba, pelo que é de todo compreensível buscar a saída mais fácil ou mais “óbvia”. Ademais, este mundo, tão cambiante, tão aleatório, tão cheio de variáveis, em vez de oferecer-nos informação clara e precisa que nos leve ao conhecimento e/ou à excelência pessoal, nos satura a cabeça de dados desordenados, ou pouco representativos, ou ambíguos, ou inconsistentes, ou de segunda ou terceira mão. O mundo, diz Thomas Gilovich, “no juega limpio con nosotros, pero nosotros podemos estar mejor preparados de lo que lo estamos para sus golpes bajos y sus maniobras de distracción”.

Como fazê-lo? Como evitar os meios que não nos conduzem aos fins desejados? Como refrear a tentação de igualar o fanatismo da fé ao fanatismo do êxito sem custo?

Primeiro, é preciso afrontar firmemente a desagradável responsabilidade de não aceitar as opiniões dos que propõem tomar o caminho mais fácil do aprendizado e que se orgulham de estar tão “atualizados” que podem transmitir e ensinar, de forma rápida, todo tipo de lixo intelectual.

Segundo, é (igualmente) imprescindível afrontar firmemente a desagradável responsabilidade de rechaçar resolutamente as promessas de todos aqueles que pensam que sabem mais do que de fato sabem, que não dispõem da humildade intelectual necessária para reconhecer e saber valorar a enorme quantidade de informação que lhes resulta impossível obter e que não sentem nenhuma necessidade de questionar continuamente os limites do próprio conhecimento. Já sabem: prometer é fácil, rápido e barato, e “a ignorância costuma engendrar maior confiança que o conhecimento”. (Charles Darwin)

Por mais atenção, diligência e tempo que exija, é sempre mais produtivo e efetivo insistir em (ou habituar-se a) estudar utilizando recursos (por exemplo, bons livros) que estejam à altura dos critérios de rigor intelectual cada vez mais exigentes (e às vezes disparatados) dos concursos públicos. Abandonar a ideia de estudar por meios que nos resultem mais fáceis e menos complexos (por exemplo, resumos, apostilas, anotações tomadas em aula...) é o primeiro passo para tornar-se um candidato mais competente e preparado. Tudo aquilo que requer esforço e perseverança é, neste sentido, difícil e, como tal, é algo que nos faz melhor. 

De mais a mais, o bom conhecimento gerado por um aprendizado significativo ou prática deliberada é um logro, uma atividade ou tarefa na qual, além de constante prática, o indivíduo há de estar presente e de experimentá-la em primeira pessoa. Apenas por meio da experiência concreta de estudar, focando nossa atenção e praticando de forma repetida é que poderemos influir eficazmente no modo em que os conhecimentos adquiridos irão cambiando e modelando o substrato neural de nossos pensamentos, de nossa memória e de nosso aprendizado. Um tipo de conhecimento que não se pode realizar e adquirir de forma brusca, quero dizer, que somente adquire uma base segura e sólida ao longo de um processo contínuo, consistente e cumulativo dirigido a dar sentido à qualidade e quantidade de informação que dispomos e que nos custa entender. Com calma, mas sem pausa.[2]

E aclaremos uma coisa antes de concluir: nunca se deve confundir a confiança em que ao final triunfarás com a disciplina (pertinente aos meios) para enfrentar-se aos fatos mais difíceis da própria realidade atual, seja qual for. Tampouco há que olvidar (i) que os meios elegidos têm como objetivo corrigir os maus hábitos de estudo dirigidos a um fim[3], mas é muito pouco provável (impossível, inclusive) que acabem com os maus estudantes; e (ii) que, em questão de estudo, aprendizado e concurso público, deveríamos “cuidar de não perder a substância por agarrar-nos à sombra.” (Esopo)

 

Notas e Referências

[1] http://emporiododireito.com.br/leitura/concurso-publico-e-a-ilusao-dos-atalhos-por-atahualpa-fernandez

[2] Por exemplo, a denominada leitura “dinâmica” ou “rápida” é uma prática anedótica. Segundo um estudo científico publicado na revista Psychological Science in the Public Interest (“So much to read, so little time. How do we read, and can speed reading help?”, 2016), “el ojo humano solo puede fijar tres palabras al tiempo – lo que hace que leer toda una página “de un solo vistazo” sea biológicamente imposible – y el cerebro ve limitada su capacidad de almacenamiento cuando se superan las cien palabras por minuto; llegados a cuatrocientas, ya ni siquiera puede asimilar lo que se lee”.

[3] Nota bene: não estou dizendo que o fim justifique o meio, senão que, na grande maioria das vezes, o fim é alcançado (e geralmente definido) pelos meios que utilizamos.

 

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