Análise econômica do contrato de financiamento imobiliário a partir de um caso julgado pelo STJ

07/06/2018

Esta coluna é dedicada ao estudo do direito empresarial e a análise econômica do direito (AED). Assim, deve-se comemorar quando encontramos nas razões de decidir argumentos ancorados na AED, como é o caso do conteúdo lançado no REsp sob n.  1163283 de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão[i].

Trata-se de um caso que envolve a revisão de um contrato de financiamento imobiliário, regido pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Sabe-se que o artigo 330, parágrafo 2º do CPC/15[ii] foi inspirado na redação do artigo 50 da Lei sob n. 10.931/2004, ao exigir do mutuário o apontamento na petição inicial das diferenças que deseja obter com o resultado final da demanda, quantificando-as.

O recurso especial interposto objetivou reverter julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que deu interpretação divergente ao respectivo dispositivo legal, excetuando-se da sua aplicação os contratos regidos pelo SFH. Na oportunidade do julgamento citado, afastou-se a inépcia da petição inicial sob o argumento de que o legislador não teria feito menção expressa aos contratos do SFH, mas apenas aos contratos que envolvem o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, letra de crédito imobiliário, cédula de crédito imobiliário e cédula de crédito bancário.

Lembre-se que o artigo 50 da referida Lei (10.931/2004) estabelece que “nas ações judiciais que tenham por objeto obrigação decorrente de empréstimo, financiamento ou alienação imobiliários, o autor deverá discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, quantificando o valor incontroverso, sob pena de inépcia. § 1o O valor incontroverso deverá continuar sendo pago no tempo e modo contratados. § 2o A exigibilidade do valor controvertido poderá ser suspensa mediante depósito do montante correspondente, no tempo e modo contratados”.

É importante realçar que o dispositivo legal citado não impede a ação revisional, ou seja, não impede o acesso à justiça, mas exige mais qualidade da peça mediante o lançamento claro e preciso daquilo que se deseja obter da jurisdição, trazendo uma séria consequência para o caso de não observância da regra legal, qual seja, a declaração de inépcia da petição inicial.

Este comentário, na essência, não objetiva opinar quanto ao resultado do julgado, mas refletir sobre o seu conteúdo, pois fundamentalmente ancorado na economia como ferramenta para servir ao direito. 

O Ministro Relator foi feliz ao contextualizar a época da elaboração do projeto, explicitando que a economia brasileira sentia o reflexo da queda da renda média da população, da elevada carga tributária e juros, além da baixa performance do mercado imobiliário.

Obviamente a Lei é entendida como incentivadora de condutas, como é o caso que se apresenta, especialmente quando pautamos a discussão na AED. É fácil compreender e a prática tem mostrado que há um custo mais elevado ao mutuário, pois quando desejar judicializar e formalizar pretensão revisional precisará quantificar as diferenças controvertidas e discriminar os valores incontroversos, cabendo recorrer a cálculos prévios ao ajuizamento que dará sustentação à inicial, mormente, utilizando-se de profissional especializado, resultando em custo ou investimento, depende do ponto de vista e da eficiência do resultado. 

A Lei em comentário, segundo o Ministro Salomão, foi pensada com o objetivo de contribui para a retomada do crescimento econômico do País, pois entendeu que tal fato não apenas impulsionou o mercado imobiliário pelo aumento da concessão do crédito, mas garantiu a exequibilidade das obrigações, atribuindo ao mercado maior credibilidade. Ao citar Arnold Wald, esclarece que a conquista legislativa serviu para o aumento do crédito, para a redução da inadimplência e para a criação de um ambiente propício ao investimento.

Percebe-se que o Relator estava atendo aos expoentes da AED – Análise Econômica do Direito, pois ao mencionar Ronald Coase, sustenta que a AED “tem como pressuposto o aumento da previsibilidade e eficiência das relações intersubjetivas, próprias do direito, a partir de postulados econômicos para a aplicação e interpretação de princípios e paradigmas jurídicos”. Continua asseverando que o direito não existe para atender apenas anseios econômicos, mas a realidade econômica aplicada ao direito é fundamental, até pelo pragmatismo da economia, cuja harmonização interfere positivamente nos empreendimentos econômicos, propiciando-se, assim, o desenvolvimento e a mudança social.

De fato, percebe-se riqueza no conteúdo do julgado, pois o Ministro Relator foi além. Fez importante cotejo do mercado com a função social do contrato, dando ao instituto uma leitura também sob a lente da análise econômica do direito, ficando evidente que o instituto da função social do contrato tem sido invocado aleatoriamente em um universo de casos, cuja solução pode ser dar a partir de outros paradigmas ou princípios. Entretanto, no caso concreto aqui estudado, o Ministro Relator fez a análise econômica da função social do contrato imobiliário, trazendo as lições de Luciano Timm, precursor no estudo da AED no Brasil.

Enfatiza, mencionando TIMM, que a AED permite avaliar as externalidades positivas e negativas do contrato, orientando o interprete a decidir com mais eficiência e com menos prejuízo à coletividade. O Relator explica que o sistema de crédito imobiliário funciona em cadeia de coletividade, tendo como pressuposto a garantia de exequibilidade dos contratos individualmente celebrados, como requisito para o equilíbrio do sistema como um todo, beneficiando tantos, quantos outros sujeitos submetidos ao mesmo regime de contratação. Os beneficiários, mutuários ou financiados, do ponto de vista coletivo e de funcionamento do mercado, não podem ser encarados como integrantes da parte mais fraca da relação contratual, pois potencialmente integram o mercado de crédito, muito mais amplo e complexo, como assevera no corpo do acórdão em comentário. 

Recorrendo-se ao próprio autor citado pelo então Ministro Relator, Luciano Timm, faz-se alusão ao seu comentário ao sustentar que alteração judicial de cláusulas de juros em contratos bancários pode ter como consequência a diminuição da oferta desse tipo de contrato, o que pode acarretar em uma situação socialmente ineficiente, hipótese em que, não se justificaria a intervenção judicial no contrato individual[iii].

Ressalva-se que, a pretensão revisional poderá servir ao mutuário e gerar externalidade positiva e eficiência social, quando pela análise do caso concreto for possível identificar que o próprio mercado reconhece as situações de desequilíbrio passíveis de ajustes, em prol também do mercado e da coletividade, a partir da análise individual de um caso concreto, reprimido abusos.

Luciano Timm, não exclui a possibilidade de intervenção corretiva, sempre que “o custo da intervenção seja inferior ao benefício que ela trouxer ao acordo das partes”. Sustenta tal conclusão e um dos objetivos do próprio direito contratual, que é a de reduzir os custos de transação, compreendidos, ao citar Donald Wittman, como:
“a) o custo de redação dos contratos pelas partes; b) o custo de redação dos contratos pelo tribunal (interpretação); e c) o custo de condutas ineficientes decorrentes de contratos mal-redigidos ou incompletos[iv].  

Como visto, a decisão do Ministro Salomão é consequencialista, pois  ao considerar a hipótese de segregação do mercado imobiliário, aplicou a regra de inépcia da petição inicial, pela não quantificação, dos valores controversos e incontroversos,  não tendo excluído da respectiva regra, portanto, este ou aquele pleito revisional, mesmo que decorrentes de contratos do SFH.

Infelizmente, o mercado atual brasileiro, nos mais variados segmentos, sofre com o tamanho do Estado e com a estrutura política onerosa e descompromissada, não sendo mais possível perceber a capacidade da sociedade brasileira suportar tamanho custo, situação que tem aumentado o grau de incerteza e reprimido o investimento, principalmente de capital externo.  

Conclui-se que a utilização da AED para dar sustentação ao conteúdo decisório mostra-se fundamental e tem cabimento não apenas nos contratos interempresariais, tão estudados nesta Coluna Empório, mas também aos contratos que envolvem, em uma das pontas, o consumidor, no contexto de uma relação processual que traga impactos à coletividade, segundo uma pauta de mercado. Garantir a aplicabilidade do acordo de vontades, guardadas as proporções referidas no corpo do texto, é o mínimo que o Judiciário pode fazer para contribuir para um ambiente de negócios mais favorável ao atual, tão arranhado. 

Notas e Referências

[i] REsp 1163283/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/04/2015, DJe 04/05/2015. Ementa parcial: “Recurso especial. Processual civil. Contratos de financiamento imobiliário. Sistema financeiro de habitação. Lei n. 10.931/2004. Inovação. Requisitos para petição inicial. Aplicação a todos os contratos de financiamento”.

[ii]CPC, artigo 330, § 2º: “nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inépcia, discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito”.

[iii] TIMM, Luciano Benetti e GUARISSE, João Francisco Menegol. Análise econômica dos contratos. In: Luciano Benetti Timm. (Org.). Direito e economia no Brasil. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2014,  p.174.

[iv] TIMM, Luciano Benetti e GUARISSE, João Francisco Menegol. Análise econômica dos contratos. In: Luciano Benetti Timm. (Org.). Direito e economia no Brasil. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2014,  p.175.

 

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