ABDPro #7 - A importância dos “capítulos de sentença” para a adequada compreensão do CPC - Por Alexandre Senra

15/11/2017

Pretendo com este breve artigo chamar a atenção para a importância, na adequada compreensão do CPC, de um tema que é usualmente identificado pela expressão “capítulos de sentença”. Cuida-se de assunto magistralmente desenvolvido em obra homônima de Cândido Rangel Dinamarco, editada pela primeira vez em 2002 e pela última vez em 2014, ou seja, antes ainda do advento do CPC-15. 

A familiaridade da expressão “capítulos de sentença” não raro conduz à crença de que o tema seja trivial, de modo que para afastar essa aparente trivialidade, inicio com uma provocação ao leitor: - identifique os capítulos de uma sentença que, depois de afastar a alegação de incompetência absoluta, julgou parcialmente procedente um pedido de pagar quantia certa, condenando autor e réu ao pagamento proporcional das verbas sucumbenciais. Pense por um momento. 

Considere agora, caso não o tenha feito antes, que a expressão “verbas sucumbenciais” inclui os direitos aos honorários advocatícios, titularizados pelos advogados de cada uma das partes e não compensáveis entre si (CPC, art. 85, §14). Considere, igualmente, que a parcial procedência de um pedido significa a sua parcial improcedência, de modo que dar R$60.000,00 para quem pediu R$100.000,00 é também negar-lhe R$40.000,00. Considere, ainda, que, tanto a parcela da procedência (R$60.000,00), quanto a parcela da improcedência (R$40.000,00), poderão ser impugnadas no todo ou em parte. Pense-se, p. ex., numa situação onde o autor apele para aumentar a condenação para R$90.000,00 e o réu apele para reduzi-la para R$30.000,00. Considere, por fim, a possibilidade de o réu interpor recurso de apelação apenas do afastamento da alegação de incompetência. Talvez alguma dessas considerações tenha mudado a sua resposta anterior. 

Seja como for, para aqueles que buscam apenas a resposta correta, lamento: não há uma resposta correta. Para aqueles, no entanto, que busquem uma maior compreensão do assunto, espero dar alguma contribuição. 

Pois bem. “Capítulos de sentença”, num sentido amplo – e é esse o sentido que interessa –, são o resultado de qualquer cisão (= divisão) ideológica realizada sobre um pronunciamento judicial decisório[1]

A partir dessa definição, três observações relevantes podem e devem ser feitas. “Sentença”, na expressão “capítulo de sentença”, assume o sentido amplo de pronunciamento decisório (i.e. decisões interlocutórias, sentenças, decisões unipessoais proferidas em órgãos colegiados e acórdãos). “Capítulo”, aí, nada tem a ver com decomposição estrutural do pronunciamento, como a divisão da sentença em “relatório”, “fundamentos” e “dispositivo” (CPC, art. 489, I-III) – ou dos Títulos do CPC em Capítulos –, trata-se, isso sim, de uma operação mental de abstração. É tecnicamente errado falar-se em capítulo único ou em pronunciamento decisório de um só capítulo; só se divide por um na matemática, tomando-se “dividir” na acepção de operação aritmética[2]

Detenhamo-nos na análise da segunda observação, por ser ela a que permite entendermos a razão pela qual inexiste uma resposta correta ao problema inicialmente proposto. 

Uma decisão (= sinônimo de pronunciamento decisório) contém várias decisões (= sinônimo do produto da atividade de se decidir algo). No sentido em que fazemos uso da expressão “capítulos de sentença”, um pronunciamento decisório pode ser cortado, pelo menos, em tantos capítulos quantas sejam as matérias sobre as quais o juízo tenha se pronunciado a respeito. 

Idealmente, qualquer assunto pode compor um capítulo decisório, havendo, além disso, assuntos que podem ser divididos em mais de um capítulo, a exemplo da condenação ao pagamento de quantia certa, passível de recurso parcial e, por conseguinte, de subsequente divisão entre capítulo recorrido e capítulo não recorrido. 

O CPC, ineditamente – não há referência no CPC-73 aos “capítulos de sentença” –, vale-se do conceito de capítulo para se referir: aos capítulos rescindíveis (art. 966, §3º); aos capítulos de sentença (stricto sensu) onde se decida alguma das matérias relacionadas nos incisos do art. 1.015 (art. 1.009, §3º); aos capítulos de sentença (stricto sensu) que tenham sido impugnados; ao capítulo da sentença (stricto sensu) que confirma, concede ou revoga a tutela provisória (art. 1.013, §5º), e aos capítulos do acórdão que tenham sido impugnados por recurso especial ou extraordinário (art. 1.034, par. ún.). 

O que há de comum entre esses capítulos? Todos são o resultado de uma divisão mental realizada sobre o pronunciamento decisório, atendendo, portanto, à definição enunciada. Mas há algo muito relevante de diverso entre eles, que não pode ser negligenciado: não são todos resultantes da mesma divisão mental. 

É evidente que capítulos rescindíveis (em tese rescindíveis ou que efetivamente tenham sido objeto de ação rescisória, na dubiedade que o texto comporta) nada têm a ver com capítulos impugnados na apelação, em recurso especial ou extraordinário, que, por sua vez, nada tem a ver com capítulos que tratem da tutela provisória ou onde se decida alguma das demais matérias relacionadas nos incisos do art. 1.015 do CPC. 

O resultado (= identificação dos capítulos de um pronunciamento decisório) dependerá do critério divisório que se empregue, e a escolha desse critério dependerá da utilidade que esteja a mover o interesse do observador[3]

Quanto ao critério divisório em si, o recomendável é que ele sempre se embase no “princípio do terceiro excluído”, segundo a qual para qualquer proposição, ou esta proposição é verdadeira, ou sua negação é verdadeira[4]. Aplicando-o: ou algo é ou não é. Ou um capítulo é recorrível ou não é; ou foi recorrido ou não foi; ou versa sobre tutela provisória ou não versa; ou é rescindível ou não é; ou foi objeto de ação rescisória ou não foi etc. 

Já no tocante à utilidade, perceba-se que a identificação de capítulos recorríveis só é útil àquele que pretenda recorrer (e o resultado será diverso, a depender do sujeito processual considerado); de capítulos rescindíveis, a quem pretenda manejar ação rescisória; de capítulos que versem sobre tutela provisória, a quem pretenda discuti-la; de capítulos passíveis de execução, a que pretenda executá-los; de capítulos ilíquidos, a quem pretenda liquidá-los, e assim por diante. 

Afora os exemplos já pontuados, podemos falar ainda em muitos outros tipos de capítulos, relevantes à solução de problemas práticos, tais como os seguintes: (a) capítulos autonomamente agraváveis da decisão de saneamento e de organização do processo; (b) capítulos processuais que impeçam nova propositura da ação; (c) capítulos que atraiam a incidência da técnica de julgamento consistente na ampliação do colegiado, prevista no art. 942 do CPC. 

Vejamos a importância deles. (a) Ante uma decisão de saneamento e de organização do processo que, dentre outras matérias, inverta a distribuição do ônus da prova (CPC, art. 357, III), deve a parte prejudicada, desde logo, agravar desse capítulo, sob pena de preclusão (CPC, art. 1.015, XI). (b) Face ao trânsito em julgado de uma decisão que julgue procedente um dos pedidos formulados e, quanto ao outro pedido, extinga o processo sem resolução do mérito, entendendo ser o réu parte ilegítima (CPC, art. 485, VI), não poderá o autor devolver o exame desse capítulo ao Poder Judiciário, através da propositura de nova ação (CPC, art. 486, §1º); deverá, em vez disso, impugná-lo via ação rescisória (CPC, art. 966, §2º, I c/c §3º). (c) Frente a um julgamento ainda em curso, onde haja um pronunciamento parcialmente não unânime do Tribunal quanto ao resultado da apelação, deverá a técnica a que se refere o art. 942 do CPC circunscrever-se ao capítulo não unânime, tanto no que se refere aos novos votos (caput) quanto no que concerne à possibilidade de revisão dos votos já proferidos (§2º). 

Numa outra oportunidade, abordaremos a problemática pertinente à relação entre capítulos.

 

[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de Sentença. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 11.

[2] HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 701.

[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de Sentença. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 12.

[4] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 954-955.

 

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