A responsabilidade civil dos bancos nos negócios bancários – Por Mauricio Mota

09/11/2016

A importância dos bancos para a economia capitalista não pode ser desprezada. A massificação do consumo, a necessidade de créditos financeiros para investimentos ou consumo, a exigência da aglutinação de capitais individuais, o mercado globalizado, tudo isso torna a atividade dos bancos primordial em nossa sociedade capitalista.

O banco, para realizar sua função creditícia e atingir sua finalidade, desempenha várias atividades de operações bancárias, as quais consistem em conceder empréstimos, financiamentos, receber valores em depósito, conceder créditos, entre outros atos próprios destinados à consecução da sua finalidade econômica, além da contabilização dos valores que circulam, através da escrituração das operações entre o banco e os clientes. As operações bancárias colocam o banco, ora na posição de devedor, ora na posição de credor. Caracterizam-se, ainda, as operações bancárias pela comercialidade, ou seja, devem refletir atos de comércio, envolvendo intermediação, habitualidade e lucro. A intermediação de recursos ocorre com a captação e a aplicação de capital no mercado; a habitualidade, com o desempenho de atividade creditícia reiterada, exercida constante e uniformemente e, por fim, deve objetivar, necessariamente, o lucro, pois é requisito fundamental da atividade comercial.

A relação banco-cliente consubstancia-se na generalidade das situações, um verdadeiro contrato, de caráter global, que se pode designar por relação contratual bancária ou simplesmente contrato bancário. Vetor central desta orientação é a ideia de que tal contrato “fundamenta” regras e princípios gerais que vão disciplinar as futuras relações entre banco e cliente. Como a prática evidencia, nele se baseia, de forma prévia e simultaneamente aberta a ulteriores negócios singulares, a global “vinculação de negócios” entre os dois intervenientes. Na base da vinculação contratual assim constituída, poderão concretizar-se, futuramente, contratos singulares autônomos, meros atos jurídicos ou simples operações bancárias, que, todavia, se reconduzem à unidade estrutural-funcional que está na sua origem. O escopo essencial do “contrato bancário” assim concebido consistirá, deste modo, em fundar e moldar as relações jurídicas que se dirigem, não à mera concretização isolada de um negócio singular, mas antes a uma continuada utilização dos serviços e estruturas operatórias da instituição bancária. Essa compreensão do vínculo banco-cliente corresponde à configuração prática que as duas partes envolvidas querem tipicamente atribuir à sua relação de negócios. Trata-se à toda evidência de uma relação jurídica complexa, continuada, tipicamente de confiança entre as partes (ALMENO DE SÁ. Relação bancária, cláusulas contratuais gerais e o novo Código Civil brasileiro. Palestra proferida na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ, por ocasião do Congresso Internacional sobre o Novo Código Civil, Rio de Janeiro, 06 dez., 2002).

A confiança é definida em Luhmann como um mecanismo em que os atores sociais reduzem a complexidade interna do seu sistema de interação. Isto pode ocorrer pela adoção de expectativas específicas sobre o comportamento futuro de outros pela seleção de possibilidades, podendo basear-se em processos históricos, em características compartilhadas ou em mecanismos institucionais. Luhmann destaca três tipos de confiança: a processual, a baseada em características e a institucional.

A confiança institucional é formada pela estrutura social formal, em que os mecanismos legais tendem a reduzir os riscos de confiança e tornam mais fácil sua existência, podendo ser deliberadamente produzida com a consideração de que seus mecanismos necessitam ser legitimados socialmente para serem efetivos (LUHMANN, Niklas. La confiance: une mécanisme de réduction de la complexité sociale. Paris: Econômica, 2006, pp. 1/8). É essa confiança institucional a que interessa ao direito e que recebe tutela jurídica. As relações sociais são inteiramente perpassadas por interações de confiança que, sedimentadas por valores, possibilitam as trocas e os acordos.

É óbvio que o cliente, em certas circunstâncias, pode pretender concluir com certo banco tão-só um isolado negócio jurídico ou uma simples e única operação bancária. Mas isto apenas sucede em casos excepcionais, como, por exemplo, quando o turista entra numa instituição de crédito para aquisição de divisas ou quando de antemão se torna manifesto que o cliente pretende exclusivamente concretizar um específico e concreto ato negocial bancário. Não é esta, todavia, a regra. Nas situações típicas da prática, em que, por exemplo, o cliente abre uma conta ou acede a um acordo de concessão de crédito, o problema da existência ou inexistência de um global “contrato bancário” é um problema de interpretação das declarações negociais. Via de regra, de uma forma genérica, para além da concreta operação, as partes pretendem uma imediata vinculação jurídico-negocial, da qual resultam, também desde logo, imediatos direitos e deveres[1] para ambas as partes, destinados a prolongarem-se no tempo.

Concebida assim a relação bancária como uma relação global, totalizante, informada pela boa-fé, necessário se faz a determinação dos deveres das partes inerentes a essa relação.

No que respeita ao cliente, o seu propósito típico, quando entra em contato com determinado banco, vai no sentido de que este, para além do concreto negócio a realizar naquele momento, fique vinculado a tomar em devida conta todos os seus interesses, presentes e futuros, envolvidos, de um modo ou de outro, na relação de negócios que pretende estabelecer. Por exemplo, que o banco coloque os respectivos serviços à sua disposição no âmbito das usuais operações bancárias; que lhe preste determinadas informações e esclarecimentos[2]; que observe deveres de sigilo; que fique desde logo responsável por eventuais danos surgidos no quadro de futuras operações bancárias singulares; etc.

Por sua vez, no que concerne à instituição bancária, está subjacente à sua atuação, de forma igualmente típica, a intenção de dar sequência às mencionadas expectativas do cliente. Em primeiro lugar, os bancos sabem que os clientes esperam deles, tipicamente, uma vinculação contratual continuada e não meramente episódica. Simultaneamente, veem nisso uma forma de concretizar o seu próprio interesse econômico‑empresarial, pois só têm a ganhar com uma relação negocial que se prolongue no tempo[3].

Estabelecidos os interesses e deveres subjacentes a ambas as partes, deve-se determinar o processo no qual essa relação bancária se desenvolve. Almeno de Sá exemplifica que esta relação se desenvolve em um contrato-quadro sob o manto regulativo das condições negociais gerais, preparadas pela própria instituição bancária. Trata esse contrato-quadro de estabelecer, vinculativamente, para ambas as partes, os princípios gerais de um projeto comum ou cooperação futura, ficando em aberto os desenvolvimentos e eventuais negócios singulares, que só mais tarde deverão ser especificamente concretizados.

O contrato-quadro tem uma autonomia e significado próprios, ao lado dos negócios singulares concluídos futuramente no seu âmbito, não sendo afetado nem pelo problema da concretização, nem pela eventual questão da respectiva validade. Funda uma relação obrigacional duradoura, com várias vinculações de raiz, complementadas pelos deveres resultantes dos diversos negócios ou operações singulares que vierem a ser realizados.

Na generalidade das situações, tal contrato inicia-se com a simples abertura de conta. É exatamente no quadro desta conta - ou das sucessivas contas posteriormente articuladas entre si - que se desenvolvem as várias operações efetuadas pelas partes no âmbito do seu relacionamento negocial. Todavia, não é forçoso que assim seja: pode, excepcionalmente, iniciar‑se através da conclusão de um contrato singular específico, como, por exemplo, um contrato de concessão de crédito. Trata-se, em última análise, do encadeamento de atos e operações singulares, que evidenciam conexões de sentido[4], razões funcionais e seqüências de causa e efeito, no quadro de uma pluralidade sucessiva de eventos de tipo negocial. É neste encadeamento lógico‑funcional que se corporiza o “contrato bancário”[5].

A obrigação contratual bancária pode ser entendida assim como um dever global de agir objetivamente de boa-fé. Essa boa-fé objetiva constitui no campo contratual um processo que deve ser seguido nas várias fases das relações entre as partes. Assim, na fase pré-contratual, das negociações preliminares à oferta, os contraentes devem agir com lealdade recíproca, dando as informações necessárias, evitando criar expectativas que sabem destinadas ao fracasso, impedindo a revelação de dados obtidos em confiança, não realizando rupturas abruptas e inesperadas das conversações etc. Na fase contratual, a conduta leal implica em vários deveres acessórios à obrigação principal, e, na fase pós-contratual, implica em deveres posteriores ao término do contrato, como o de guarda de documentos, fornecimento de material ou informações a terceiros sobre os negócios realizados[6].

A principiologia da boa-fé objetiva, assim entendida, aplicada às relações bancárias desdobra-se, segundo Almeno de Sá, em um contrato-quadro, ou de um contrato similar a um contrato-quadro, que fornece a base ou o fundamento dos diversos atos e negócios singulares, a realizar futuramente. Nele radica, ainda que de forma aberta, a global relação de negócios entre banco e cliente. Em segundo lugar, o seu conteúdo essencial projeta-se num dever de prestação de serviços, com toda a densificação de sentido inerente a esta tradicional categoria jurídica. Como se compreenderá, a afirmação deste dever será, em muitos casos, determinante para a correta resolução de certo tipo de litígios, frequentes na prática. Saliente-se, de modo particular, que faz parte do referido dever, na leitura aqui sustentada, a obrigação da entidade bancária de colocar à disposição do cliente a respectiva estrutura organizativo-funcional, em ordem à execução de tarefas de tipo variado, ligadas, de um modo ou de outro, à atividade bancário-financeira.

Este contrato faz nascer também, para a instituição bancária, em razão da sua profissionalidade e competência específica, uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de caráter bancário-financeiro[7].

Esta obrigação implica, não uma pura atitude passiva, mas antes uma atividade de continuada promoção e vigilância dos interesses do cliente. Desta compreensão contratualista resulta que também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é colocada num plano contratual, e não meramente legal, com suas implicações dogmático-práticas. Finalmente, pode dizer-se que é com base nesta global dimensão contratual que se “mede” e se conforma o dever geral do banco de executar as diversas operações solicitadas pelo cliente ao longo do tempo, e mesmo os singulares negócios bancários acordados, os quais, a serem isoladamente considerados, poderiam eventualmente ter um “tratamento” jurídico menos favorável aos interesses patrimoniais deste último[8].

O tratamento da responsabilidade do banco decorre da relação totalizante que este forma com seu cliente a partir do emprego das condições gerais do contrato em toda a atividade bancária. Constitui esse um contrato cativo de longa duração que implica em inúmeras vantagens para a instituição bancária. Diante dessa posição de vantagem é que decorrem para a entidade bancária, segundo Almeno de Sá, os seus especiais deveres gerais de conduta e de proteção. Se de fato se iniciou uma relação contratual, tais deveres resultam diretamente dessa relação, e não de uma hipotética relação legal de confiança. Ora, isto torna-se decisivo não apenas para a identificação concreta, em cada caso, dos referidos deveres, como também para a sua particular modelação e alcance.

Acresce que com isto se afasta o problema da sempre difícil prova do surgimento de vínculos pré-negociais ex lege ou a questão da controversa responsabilidade pela confiança ex lege (ainda que a confiança permaneça como o fundamento teorético da responsabilidade). Por fim, a relevância torna-se ainda mais evidente, se acrescentarmos que, dos mencionados deveres de conduta, fazem parte os deveres gerais de informação, no seu sentido mais amplo, aí incluindo deveres de esclarecimento[9], de aviso e de conselho. Ora, se tivermos presente a extraordinária frequência com que este tipo de deveres surge na prática bancária, bem como a considerável projeção econômica, para o cliente, da respectiva violação, compreenderemos a importância deste enquadramento dogmático-normativo.

Em última análise, a consideração desta “unidade” dinâmica e englobante que é o “contrato bancário” vem a desempenhar um papel decisivo na interpretação dos diversos atos e negócios singulares que se vão sucedendo ao longo do tempo, na relação entre banco e cliente. Por outras palavras: a melhor forma de proporcionar ao cliente uma proteção efetiva e justa no intrincado universo bancário-financeiro é interpretar adequadamente os “dados” que a praxis expõe e ver, na típica relação banco‑cliente, um verdadeiro contrato, que poderemos designar por “contrato bancário” tout court ou “relação contratual bancária”[10].

Dimensionada a natureza da obrigação bancária para com o seu cliente, cabe examinar a extensão dela. Está o banco obrigado a contratar, a consentir em ulteriores relações com seu cliente, uma vez iniciada a relação bancária? Esta resposta só pode ser negativa. Não há um dever geral de contratar na relação bancária, mesmo considerando que esse contrato globalizante está submetido às condições gerais[11]. Contrariaria esse entendimento a própria noção de autonomia privada. Entretanto, importa distinguir, com Almeno de Sá, dois grupos de situações; os negócios neutrais e os negócios de risco:

"Se determinado cliente, que está ligado ao banco por uma continuada relação contratual, pretende concretizar um negócio “neutral”, no sentido de um negócio usual neste domínio, sem particulares riscos, como, por exemplo, a abertura de uma conta a prazo ou a execução de negócios sobre títulos, então parece que o banco não poderá arbitrariamente recusar tais operações. A livre exclusão do cliente de negócios neutrais parece incompatível com o contrato bancário, enquanto relação contratual de prestação de serviços próprios do sector. É certo que o banco, tal como qualquer outro empresário, tem a liberdade de escolher os seus parceiros negociais. Todavia, a liberdade contratual do banco deve ter-se como restringida pelo simples mas significativo facto de que, em momento anterior, aceitou iniciar com o cliente uma continuada relação de tipo negocial. Se não houver fundamentos objectivos contra a conclusão destes singulares actos bancários, então a existência da referida relação negocial parece obrigá-lo a concretizar tais operações.

Pode estabelecer-se, a este propósito, uma linha de orientação: com base na relação contratual bancária, deve partir-se da ideia de que o banco promete, objectivamente, colocar-se à disposição do cliente para concretizar aquelas operações que se inscrevem no giro normal e sem particulares riscos da actividade em causa ou, no mínimo, a fornecer explicações razoáveis e fundadas para a respectiva recusa. De todo o modo, é indubitável que se mantém a possibilidade de o banco pôr termo à vinculação que vem mantendo com o cliente, com observância das regras comuns que impõem um prazo razoável de pré-aviso ou denúncia.

(..)

De forma totalmente diversa se passam as coisas em relação a negócios de risco: o banco não está de modo algum vinculado a aceitar negócios que envolvam algum identificado perigo ou risco. Designadamente, não existe, a todas as luzes, qualquer dever de concessão de crédito ou de aceitação de certa garantia oferecida pelo cliente. Todavia, em casos excepcionais, pode recair sobre a entidade bancária um dever de prorrogação do crédito, por força da relação contratual anteriormente iniciada e das legítimas expectativas que essa relação e a continuada atitude do banco foram criando, relativamente a uma concreta operação de financiamento delineada em comum"[12].

Isso é particularmente evidente quando os bancos se aproveitam das condições gerais dos contratos bancários para transferir riscos nesses negócios neutrais, de forma sistemática, para a contraparte. A transferência de risco que decorre da natureza do negócio é prática abusiva e contraria o postulado globalizante da boa-fé objetiva que informa a relação bancária. Por isso mesmo é decisiva a possibilidade de uma intervenção judicial para controlar a razoabilidade ou correção dessas cláusulas, tal como a admite e legitima, de forma genérica e aberta, o Código Civil brasileiro[13]. Como bem expõe Almeno de Sá:

Este critério aparece, na prática, intimamente relacionado com o problema da determinação dos direitos e deveres essenciais que resultam de um certo tipo de negócio ou acto bancário. Se as condições gerais do banco limitarem esses direitos e deveres numa dimensão tal que fique em risco a própria finalidade da operação singular considerada, haverá seguramente razão para as declarar nulas. Neste contexto, torna-se importante atender às “expectativas de justiça” imperantes no sector bancário-financeiro, relativamente ao tipo de operação ou negócio em causa. A convocação da ideia de “deveres essenciais” remete-nos, de forma particular, para aquela espécie de obrigações das quais depende, de modo incontornável, a correcta execução do negócio ou acto solicitado ao banco, o que torna normativamente fundada a expectativa do cliente no seu rigoroso cumprimento. Qualquer cláusula que, directa ou indirectamente, acabe por defraudar aquela expectativa não poderá ser tida como válida pelo tribunal"[14].

Neste ideário, serão consideradas abusivas nos contratos as cláusulas que estabeleçam a faculdade da entidade bancária de compensar os saldos devedores da conta corrente com os saldos credores que o titular ostente em seu favor em outras contas do mesmo banco[15]. A estipulação deve ter-se como nula, por pôr em risco o fim negocial visado pelo cliente, em razão, designadamente, do especial regime a que essa outra conta pode estar submetida. a mencionada cláusula faz recair sobre o cliente o risco de realizar a prestação devida sem eficácia de cumprimento e, consequentemente, o risco de ter de pagar segunda vez. A verdade é que as razoáveis expectativas do cliente vão no sentido de o banco se manter estritamente dentro dos limites das instruções formalmente comunicadas. Se o banco, apesar disso, se reserva a possibilidade de efetuar a transferência para uma outra conta do destinatário, estamos perante um “poder” que não é mais compatível com os interesses do cliente, nem com as suas fundadas expectativas. Acresce que o “desvalor” da cláusula se intensifica se tivermos presente que, à grave desvantagem daí potencialmente resultante para o cliente, apenas corresponde, em regra, a ilegítima pretensão do banco de tentar “contornar” a responsabilidade que pode decorrer das suas próprias deficiências internas de organização.

Concluindo, podemos entender que, nessa noção de negócios bancários como um contrato quadro informado pela confiança e pela boa-fé objetiva, o contrato faz nascer, para a instituição bancária, em razão da sua profissionalidade e competência específica, uma obrigação de acautelamento de interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de caráter bancário-financeiro. Esta obrigação implica, não uma pura atitude passiva, mas antes uma atividade de continuada promoção e vigilância dos interesses do cliente, no particular domínio considerado. Desta compreensão contratualista resulta que também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é colocada num plano contratual, e não meramente legal, com todas as implicações dogmático-práticas que daí necessariamente resultam como o dever geral do banco de executar as diversas operações neutrais (sem risco acentuado) solicitadas pelo cliente ao longo do tempo, e mesmo os singulares negócios bancários acordados, os quais, a serem isoladamente considerados, poderiam eventualmente ter um tratamento jurídico menos favorável aos interesses patrimoniais deste último.

Com base na relação contratual bancária, infere-se a noção de que o banco promete, objetivamente, colocar-se à disposição do cliente para concretizar aquelas operações que se inscrevem no giro normal e sem particulares riscos da atividade em causa ou, no mínimo, a fornecer explicações razoáveis e fundadas para a respectiva recusa. Fundado nisso, constitui um ilícito contratual quando os bancos se aproveitam das condições gerais dos contratos bancários para transferir riscos, de forma sistemática, para a contraparte. A transferência de risco que decorre da natureza do negócio é prática abusiva e contraria o postulado globalizante da boa-fé objetiva que informa a relação bancária.


Notas e Referências:

[1]Para uma concepção tradicional da relação bancária, subdividida em vários contratos bancários comportam várias modalidades, tais como o depósito bancário, o desconto, a abertura de crédito, a carta de crédito, a conta corrente e os financiamentos, dentre outros, ver RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

[2] RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.  Apelação Cível nº 2007.001.52531. 11ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Roberto Guimarães. Julgamento em 13 de fevereiro de 2008. Indenização por danos morais. Negativação indevida do nome do autor nos órgãos de proteção ao crédito. Relação de consumo. Manifesta comprovação do dano e do nexo de causalidade. Falha na prestação do serviço prestado pela instituição bancária. Conta corrente e conta poupança. Transferência automática para cobertura de saldo devedor de conta corrente, que foi sustada unilateralmente pelo Banco recorrente, acarretando inúmeros prejuízos, desgastes e apreensões ao idoso apelado (86 anos), que é estrangeiro (polonês). Quantum indenizatório fixado em obediência aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Repetição de indébito e revisão dos lançamentos indevidos que se mostram imprescindíveis em face da quebra dos princípios da confiança, da boa-fé e da correta e completa informação por parte do Banco apelante. Verba honorária arbitrada em consonância com a natureza e com o trabalho realizado pelo profissional. Desprovimento do recurso.

[3] ALMENO DE SÁ. Relação bancária, cláusulas contratuais gerais e o novo Código Civil brasileiro. Palestra proferida na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ, por ocasião do Congresso Internacional sobre o Novo Código Civil, Rio de Janeiro, 06 dez., 2002, p. 4.

[4] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Alçada Cível. Responsabilidade civil do banco pelos atos de seu  preposto.  Desvio de títulos dos  clientes  confiados  ao  subgerente  por  endosso  em branco.  Apelação Cível nº 1880302282. 2ª Câmara Cível. Relator: Juiz Clarindo Favretto. Julgados do TARS, v. 28, n 70, p. 245-50, jun. 1989. "Os bancários são fiéis depositários da confiança  dos  clientes  dos serviços de Banco pela especiosa natureza  da  atividade.  Por  isso, tanto quanto ou  mais  que  as  outras  empresas,  o  Banco  responde solidariamente pela má gestão de seu subgerente quando em nome  dele, para ele e em seu proveito agencia negócios, seja dentro ou  fora  do estabelecimento, na relação de trabalho ordinariamente  praticada.  O Banco responde ao cliente pela falta do serviço, como fato da  função pela atividade delegada.  O  ilícito  não  gera  direito  à  eficácia probatória no processo. Sentença confirmada.”

[5] ALMENO DE SÁ. Relação bancária, cláusulas contratuais gerais... op. cit., p. 6.

[6]AZEVEDO, Antonio Junqueira de.  Responsabilidade pré-contratual no Código de defesa do consumidor: estudo comparado com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. Revista de Direito do Consumidor nº 18, p. 23-31, abr./jun., 1996.

[7] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Mercado de Capitais. Aplicação financeira.  Apelação Cível nº 102.653-1. 4ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Alves Braga. Julgado  de 16 de fevereiro de 1989. " Realização através de agente autônomo credenciado da instituição nas instalações desta e em impresso próprio devidamente provada Normalidade da  transação presumida operações que,  por suas características e celeridade com que se realizam, repousam, em regra, no fator "confiança' que o aplicador deposita nas entidades respectivas, descuidando-se do aspecto formal - Irrelevância de não se ter dado por cheques nominais emitidos pelo investidor em favor da financeira e de omitido seu nome na prestação de contas do intermediador, que não exigia tal cautela - Aplicação da teoria da aparência de direito. que deve produzir, para o terceiro de boa-fé, os mesmos efeitos das situações regulares - Resgate da quantia acrescida de juros de mora e correção monetária”.

[8] ALMENO DE SÁ. Relação bancária, cláusulas contratuais gerais.... op. cit., p.7

[9] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Responsabilidade Civil - Banco - Aplicação ribanceira - Induzimento de cliente a erro, por ex-gerente, acreditando estar aquela realizando negócio com a Instituição Financeira e de forma correta - Teoria da aparência - Culpa do réu caracterizada - Indenização devida - Juros de mora fixados desde o vencimento de cada obrigação.  Apelação Cível nº 232.469-1/0. 2ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Pires de Araújo. Julgado  de 23 de outubro de 1985. " Deve-se, em certos casos, permitir que se tome por verdadeiro um fenômeno que não é real, desobrigando os terceiros a uma verificação preventiva da realidade do que a aparência evidencia.  Os juros de mora são devidos desde o vencimento de cada obrigação, por se tratar de dívida líquida”.

[10] ALMENO DE SÁ. Relação bancária, cláusulas contratuais gerais... op. cit.,p. 8.

[11] RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.  Apelação Cível nº 2005.001.08252. 17ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Edson Vasconcelos. Julgamento em 06 de julho de 2005. CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO - RECUSA JUSTIFICADA DE FINANCIAMENTO - POSSIBILIDADE Recusa de concessão de crédito a consumidora, com justificativa em impontualidade nos pagamentos das prestações de anterior financiamento concedido. A sentença impugnada argumenta com injusta discriminação do banco recorrente, o qual não poderia recusar crédito a qualquer cidadão, cabendo-lhe apenas pleitear juros de mora e multa em caso de impontualidade. Evocação de condicionamentos carreados ao princípio da autonomia de vontade pela atual ordem capitalista de mercado, não se podendo olvidar que esse princípio está intimamente ligado à liberdade de contratar, que se erige em poder conferido às partes para estabelecer os efeitos pretendidos sem que o Estado possa impor normas de observância compulsória. A complexidade ocorrida no mundo das relações determinou nova forma de repensar os princípios gerais dos contratos, mas tal relativização não pode ser desataviada de ditames novos que devem ser observados com maior rigor do que a vontade dos contraentes, avultando-se nesse novo contexto o princípio da boa-fé, o qual se revela na lealdade, na credibilidade e na confiança recíproca, pois nessa tessitura obrigacional é que se estabelecerá a segurança da relação das partes. No caso em exame, reconhece-se fundar-se o contrato de mútuo no elemento subjetivo fiduciário, não se podendo vislumbrar na recusa justificada de contratar qualquer discriminação à pessoa da autora, a qual reconhece ter pago com atraso algumas prestações relativas a contrato anterior. Provimento do recurso.

[12] ALMENO DE SÁ. Relação bancária, cláusulas contratuais gerais.... op. cit.,p. 10.

[13] RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.  Apelação Cível nº 2006.001.27083. 4ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Reinaldo P. Alberto Filho. Julgamento em 04 de julho de 2006. Indenização. Contrato de Empréstimo Pessoal concedido a aposentado. estabelecendo que o pagamento das prestações ultimar-se-á por intermédio de consignação em folha de pagamento. Vencimento de cada parcela que só poderia coincidir com a data do recebimento dos proventos do autor e não de forma diversa. Suplicante que não teve ciência de que as prestações venceriam em dia diverso de seu pagamento. Relação que é de consumo. Aplicação dos princípios da Vulnerabilidade do Consumidor, Transparência, Boa-Fé, Equilíbrio Contratual, Confiança, Informação, inter plures. Autor que não se encontrava inadimplente a justificar as diversas correspondências de cobranças enviadas pelo Banco Réu. Fatos que ultrapassaram o instituto do mero aborrecimento. Dano moral que se mostra evidenciado. Verba que foi arbitrada em sonância com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Suplicante que não teve o seu nome inserido nos setores restritivos de crédito. Negado Provimento a ambos os Recursos.

[14] ALMENO DE SÁ. Relação bancária, cláusulas contratuais gerais..... op. cit., pp. 12/13.

[15] RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.  Apelação Cível nº 2004.001.06635. 6ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Nagib Slaibi Filho. Julgamento em 08 de junho de 2004. RESPONSABILIDADE CIVIL DE BANCO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. DÉBITO INDEVIDO. DANO MORAL. Direito do Consumidor. Responsabilidade civil bancária. Relação de consumo. Responsabilidade objetiva. Dano moral. Inversão do ônus da prova. O jurista Carlos Roberto Barbosa Moreira, expõe a questão com maestria (in Estudos de Direito Processual em Memória de Luiz Machado Guimarães, Forense, 1997, p. 124). Permite a lei que se atribua ao consumidor a vantagem processual, consubstanciada na dispensa do ônus da prova de determinado fato, o qual, sem a inversão, lhe tocaria demonstrar, à luz das disposições do processo civil comum; ou se, de um lado, a inversão exime o consumidor daquele ônus, de outro, transfere ao fornecedor o encargo de provar que o fato apenas afirmado, mas não provado pelo consumidor não aconteceu. Portanto, no tocante ao consumidor, a inversão representa a isenção de um ônus: quanto à parte contrária, a criação de novo ônus probatório, que se acrescenta aos demais, existentes desde o início do processo e oriundos do art. 333 do Código de Processo Civil. Consumidor em desvantagem jurídica e econômica. Prática abusiva. Age com abuso de direito e viola a boa-fé o Banco que, invocando cláusula contratual constante do contrato de financiamento, cobra-se lançando mão do numerário depositado pela correntista em conta destinada ao pagamento de salários de seus empregados (48 Turma do STJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, REsp 250.523-SP). Afronta aos princípios da boa-fé objetiva, transparência e confiança. Realização de cobrança que não reflete o valor correto de dívida. Indenização devida. Arbitramento do dano moral segundo princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Sentença reformada. Provimento parcial do recurso.


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