A responsabilidade civil do advogado pela perda de chance – Por Mauricio Mota

12/10/2016

A obrigação contratual do advogado decorre especificamente do contrato de mandato – ainda que associado a um contrato de prestação de serviço –, o qual se trata, em sua essência, de contrato intuitu personae. Na condição de mandatário, deve o advogado empregar sua diligência habitual na execução do mandato, ficando obrigado a indenizar qualquer prejuízo decorrente de sua culpa, ou daquele a quem substabeleceu poderes sem autorização. Tem também o dever de prestar contas ao mandante.

A principal obrigação profissional do causídico é a devida representação do seu cliente, com a promoção adequada do andamento de suas causas, sempre no interesse deste, bem como o fornecimento de orientações jurídicas com o maior número de informações possível. Sua responsabilidade civil, por expressa disposição do art. 14, § 4º do CDC e do art. 32 do Estatuto da OAB verifica-se por meio da avaliação de culpa. Assim, aplicáveis à matéria os artigos 389 e 667 do CC, os quais preceituam:

“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.” 

“Art. 667. O mandatário é obrigado a aplicar toda sua diligência habitual na execução do mandato, e a indenizar qualquer prejuízo causado por culpa sua ou daquele a quem substabelecer, sem autorização, poderes que devia exercer pessoalmente.”  

Conforme previsto pelo artigo 32 da Lei n° 8.906/1994 combinado com o §4º do art. 14 da Lei n° 8.078/1990, o advogado responde pelos atos que praticar com dolo ou culpa:

“Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.” (grifo nosso) 

“§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.” (grifo nosso)

Existe dessa forma entre advogado e cliente um dever fiduciário, o que supõe uma confiança especial entre as partes em um contrato intuitu personae que, quanto maior é o prestígio e a reputação de determinados profissionais, mais essa condição profissional implica em um especial dever de atuar com prudência e de observar os conhecimentos correntes da profissão. Como bem expressa Felix A. Trigo Represas em seu livro “Responsabilidad civil del abogado”:

“Nos contratos que supõem uma confiança especial entre as partes, isto é, nos contratos intuitu personae a que aludem os arts. 626 e 730 do Código Civil [argentino], o grau de responsabilidade se haverá de estimar pela “condição especial dos agentes”. Com efeito, o adestramento específico que exige a condição profissional, implica um especial dever de atuar com prudência e conhecimento das coisas nos termos do art. 902 do Código Civil [argentino], e no atinente ao artigo 909 do mesmo Código resulta óbvio que a competência particular ostensiva, às vezes declarada, de certos profissionais: especialistas, professores, etc. justifica uma exigência maior a seu respeito que com relação aos profissionais comuns, tanto quanto as ditas condições profissionais tenham sido levadas em conta e gravitado na celebração do respectivo contrato” (REPRESAS, Félix A. Trigo. Responsabilidad civil del abogado. Buenos Aires: Hammurabi, 1996, p. 163/164).

Sendo as relações contratuais entre clientes e advogados regidas pelo Estatuto da OAB, aprovado pela Lei nº 8.906/94 resulta que a sociedade de advogados é mero instrumento de prestação do serviço pelos advogados que a compõem, cuja finalidade é dividir o mesmo imóvel para atender os clientes e compartilhar despesas, garantir que haja um advogado pronto para se ocupar da causa e assegurar o cumprimento dos atos postulatórios nos prazos legais etc. A prestação advocatícia em sociedade, então, permanece intuitu personae e meramente intelectual, estando sujeita, no que tange estritamente ao serviço de advocacia, à Lei nº 8.906/94.

A relação jurídica de prestação advocatícia não se concretiza entre a sociedade e o cliente, mas entre o advogado e o cliente. Este não contrata a pessoa jurídica da sociedade de advogados, até porque legalmente não poderia, mas sim um determinado ou dois, ou mais advogados, ou todos os advogados integrantes da sociedade, para os quais outorga os competentes instrumentos de mandato na forma do art. 15, § 3º da Lei nº 8.906/1994.

Na chamada responsabilidade civil do advogado por perda de chance (sobre o tema, ver SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance. 2ª ed., São Paulo: Atlas, 2009) deve existir a presença de culpa – latu sensu – por parte do advogado e a necessidade de ressarcimento pelos danos sofridos.

Deve ser evidenciado o nexo de causalidade existente entre as atitudes do advogado e os prejuízos acarretados. Assim, se o advogado não tivesse perdido reiterados prazos processuais, o cliente poderiam ter se defendido no respectivo processo e exercido o contraditório e ampla defesa previstos constitucionalmente. O ressarcimento previsto nesses casos tem lugar em razão da perda da chance verificada no processo em que o momento legal para a defesa/manifestação do cliente não foi observado.

Assim, o cliente perde, na hipótese, chances concretas de vitória processual. Mormente naqueles casos em que a demanda do cliente possuía sólidos argumentos jurídicos, sendo inegável a probabilidade séria e real de sucesso. Nos dizeres da Min. Nancy Andrighi:

“A perda de uma chance se consubstancia pela interrupção, por ato culposo do réu, de um processo aleatório que poderia favorecer o autor de algum modo sem que se possa, contudo, falar de certeza quanto à extensão do benefício que se frustrou.” (STJ – Resp n° 1.184.635 – Min. Rel. Nancy Andrighi – julgado em 18.08.2010). 

A teoria da perda da chance é hoje pacificamente aplicada pelos tribunais brasileiros, em especial pelo Superior Tribunal de Justiça desde o julgamento do Recurso Especial no 788.459-BA (Quarta Turma, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJ em 13/3/2006):

“como saber se o autor realmente venceria a causa? Trata-se, portanto, de hipótese em que, mesmo havendo um grau de incerteza quanto à existência do dano, entende-se configurada uma probabilidade suficiente de existir uma chance de o agente alcançar determinado resultado. São vantagens ou perdas cujas possibilidades de obtenção não decorrem exclusivamente da conduta da vítima, na medida em que estão submetidos a uma situação aleatória. É precisamente o exemplo da perda de uma chance pelo cliente.” (Siebeneichler, Fábio. Responsabilidade Civil do Advogado, em “Responsabilidade Civil”, edição temática, Revista AJURIS.) (grifos nossos) 

Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por estes motivos não vemos óbice à aplicação criteriosa da Teoria. O que o art. 403 afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar.” (Martins-Costa, Judith. Comentários ao novo código civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003) (grifos nossos) 

“No caso do advogado que perde o prazo para recorrer de uma sentença, por exemplo, a indenização não será pelo benefício que o cliente do advogado terá auferido com a vitória da causa, mas pelo fato de ter perdido essa chance; não será pelo fato de ter perdido a disputa, mas pelo fato de não ter podido disputar. O que deve ser objeto da indenização, repita-se, é a perda da possibilidade de ver o recurso apreciado e julgado pelo Tribunal.”(Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 78) (grifos acrescidos)

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já se manifestou:

“A responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato. Ao perder, de forma negligente, o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frustra as chances de êxito de seu cliente.Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real.” (REsp 1079185/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 04/08/2009) (grifos acrescidos)

O mesmo entendimento é compartilhado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – TJERJ:

“RESPONSABILIDADE CIVIL ADVOGADO ROL DE TESTEMUNHAS APRESENTAÇÃO INTEMPESTIVA AÇÃO PREVIDENCIÁRIA IMPROCEDENTE (PERDA DE UMA CHANCE).

A apresentação intempestiva do rol de testemunhas em ação previdenciária julgada improcedente, impedindo a rurícola de comprovar o tempo de serviço rural, objetivando a obtenção de aposentadoria, caracteriza desídia do causídico-mandatário, gerando a obrigação de indenizar os prejuízos ao mandante em razão da teoria perda de uma chance. Recurso não provido.” (TJSP – Apelação Cível n° 30489120068260022 – Des. Rel. Clóvis Castelo – julgado em 04.07.2011) (grifos nossos)

É importante destacar que, conforme destacado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, a perda da chance dá origem a danos de naturezas diversas, patrimonial e extrapatrimonial, devendo ambos ser indenizados. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO PELA PERDA DO PRAZO DE APELAÇÃO. TEORIA DA PERDA DA CHANCE. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7, STJ. APLICAÇÃO.

– A responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato.

– Ao perder, de forma negligente, o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frustra as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto, de reparar a perda ‘de uma simples esperança subjetiva’, nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance.

– A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos morais.

– A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já tinham sido objeto de ações autônomas e que o dano moral não pode ser majorado por deficiência na fundamentação do recurso especial.

– A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Aplicação da súmula 7, STJ.

– Não se conhece do Especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. Súmula 283, STJ. Recurso Especial não conhecido (STJ, Recurso Especial no 1.079.1850-MG, Terceira Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 11/11/2008, DJ em 4/8/2009) [grifamos].

Especificamente sobre o direito à indenização dos danos morais em caso de perda de chance causada por advogado, vale citar o seguinte precedente:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. NEGLIGÊNCIA NA ATUAÇÃO PROFISSIONAL. CARACTERIZAÇÃO. AÇÃO TRABALHISTA PROPOSTA SÓ APÓS O DECURSO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE, ENTRETANTO, DE AVALIAR O DIREITO DO RECLAMANTE. INDENIZAÇÃO PELA PERDA DA CHANCE DE VER O PLEITO EXAMINADO PELO JUDICIÁRIO. MODALIDADE DE DANO MORAL. RECURSO PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO.

[...]

Por fim, considerando que se trata de indenizar a perda de uma chance, o arbitramento em quantia equivalente a cinquenta salários-mínimos revela­-se suficiente para reparar o mal experimentado pelo autor e concitar a ré a atuar com mais diligência em sua atividade profissional (1o Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, 8a Câmara, Apelação Cível no 680.655-1, Rel. José Arnaldo da Costa Telles, julgado em 23/10/1996) [grifamos].

Tais danos sofridos pelo cliente devem fugir do espectro dos danos oriundos do mero inadimplemento e do prejuízo econômico, na medida em que repercutem na imagem, na própria reputação do cliente ou de sua empresa (se for o caso de ação de pessoa jurídica), que tiveram seu comportamento, dentro de sua atividade laboral ou negocial, vinculado a uma conduta desidiosa, desleixada e antiprofissional, jamais por tal cliente corroborada:

“(...)

só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. (...) mero inadimplemento contratual, mora ou prejuízo econômico não configuram, por si sós, dano moral, porque não agridem a dignidade humana. Os aborrecimentos deles decorrentes ficam subsumidos pelo dano material, salvo se os efeitos do inadimplemento contratual, por sua natureza ou gravidade, exorbitarem o aborrecimento normalmente decorrente de uma perda patrimonial e também repercutirem na esfera da dignidade da vítima, quando, então, configurarão o dano moral (...)”

(Cavalieri, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, 7ª ed., São Paulo: Atlas, 2007, nº 19.4, p. 80). (grifos nossos)

É pacífica na jurisprudência a possibilidade de pessoa jurídica pleitear o ressarcimento por danos morais, conforme Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça.

Portanto, em conclusão, deve existe responsabilidade civil do advogado por perda de chance, em ressarcimento de danos morais e materiais, sempre que estiver em jogo uma séria e real probabilidade do cliente de ter se saído vitorioso no processo judicial, não fosse a desídia e o desleixo da atuação do advogado. Do mesmo modo, devem ser ressarcidos os danos materiais sofridos em virtude do evidente descumprimento contratual perpetrado pelo advogado, que adotou postura negligente e desidiosa, deixando lamentavelmente de cumprir as obrigações que lhe cabia enquanto advogado e procurador do cliente.


Imagem Ilustrativa do Post: 1525 // Foto de: Gabriel Cabral // Sem alterações

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