A resistência é feminina - Por Nádia de Castro Alves

20/10/2017

Coluna Não nos Renderemos / Coordenadores: Daniela Villani Bonaccorsi Rodrigues e Leonardo Monteiro Rodrigues

Quando o assunto é o direito de resistência (de status constitucional, diga-se) é possível aborda-lo sob diversas perspectivas. Política, jurídica, conceitual, limitativa, comparada e, por que não, de gênero. As mulheres, historicamente, sempre resistiram. Atualmente não é diferente. 

O direito de resistência, entendido como uma garantia individual ou coletiva regida pelo direito constitucional, se presta ao serviço da proteção da liberdade, da democracia e também das transformações sociais, na medida em que tanto governantes quanto governados estão sujeitos ao Direito e, sendo assim, ambas as partes só́ estão obrigadas enquanto cumprirem o conteúdo do contrato (LOCKE, 2004). 

Em uma perspectiva jurídica e outra política, o direito de resistência pode ser tanto a capacidade de pessoas ou grupos sociais se recusarem a cumprir determinada obrigação por razões jurídicas, políticas ou morais, quanto o direito de enfrentamento por ação ou omissão, do ato injusto das normas jurídicas, dos governantes, do regime político e também de terceiros (BUZANELLO, 2003). 

É também entendido como gênero das espécies objeção de consciência, greve política, desobediência civil, direito à revolução, princípio da autodeterminação dos povos, entre outros de mais difícil identificação. Se o legislador pode reivindicar o direito de ser obedecido, o cidadão pode igualmente reivindicar o direito a ser governado sabiamente e por leis justas. (LAFER, 1988). É uma forma de autodefesa da sociedade. 

Além disso, sob outra ótica, a resistência questiona o estatuto do indivíduo e busca o direito de ser diferente. É uma oposição, mas não se apresenta contra ou a favor do indivíduo. Questiona o direito a individualização. Almeja o direito do indivíduo de ter sua própria identidade e não apenas absorver aquilo que lhe é imposto pelo outro (FOUCAULT, 1993). 

Em tempos sombrios como os que estamos enfrentando ultimamente, com boa parte do povo apático e inerte, com regimes e instituições desmoronando bem na nossa frente, com supressão de direitos fundamentais (em especial os das mulheres), fica mais fácil repelir o entendimento que limita o direito de resistência apenas para as injustiças consideradas irreparáveis e insuportáveis, sob o argumento da sensatez. Injustiças são injustiças. O direito de resistir é mecanismo de defesa contra condutas opressivas. E as mulheres entendem bem disso. 

Mulheres eram coisas, objetos. Em diversos momentos foram apagadas da história. Mulheres não tinham os mesmos direitos que os homens. De fato, ainda não tem. A mulher ainda tem um papel pré-definido na sociedade. Mulheres ainda recebem, em média, salários menores que os pagos a homens na mesma função. Mulheres são agredidas apenas por serem mulheres. São violentadas a cada onze minutos, no Brasil. 

Sobre a resistência feminina: “Quando nós resistimos, as instituições dominantes e, sobretudo, o Estado, tentam conter a nossa resistência” (ANGELA DAVIS, 2017). Portanto, a resistência tem que se dar na ação, e não somente na reação. Há uma necessidade urgente de se construir uma nova sociedade diferente desta que está posta.

Não apenas fortalecendo reflexões de construção de um novo modelo comportamental, levantando questões como a violência, a busca por melhores condições de saúde, o direito ao corpo, ao acesso ao poder e, principalmente, a igualdade entre os gêneros em todos os sentidos possíveis. 

Como corretamente vem pontuando a imprensa mundial (THE GUARDIAN, 2017), a mudança está acontecendo. As últimas Marchas das Mulheres inspiraram uma nova era de resistência feminina, que passou a ter maior visibilidade e gradativamente ganha mais espaço. 

Desde o combate a mutilação genital em Gana, passando pelo direito das mulheres sauditas poderem dirigir, dos protestos brasileiros contra a cultura do estupro e pela legalização do aborto, ou das denúncias, pelas americanas, de seus assediadores. A mudança está, sim, acontecendo. Ainda falta muito. Mas a movimentação e a organização das mulheres para ocupar espaços de poder e para reivindicar igualdade de gênero e a mudança no status quo está definitivamente ganhando mais força. E não é possível admitir retrocessos. Toda tentativa de mudança do sistema é sofrida, é uma luta muitas vezes lenta e silenciosa. Mas ainda assim é uma luta. Ainda que os resultados desses movimentos apenas sejam sentidos em gerações futuras, nós estamos nos mexendo. Vai ter resistência, vai ter luta sim. Nenhum direito a menos. 

Referências:

BUZANELLO, José Carlos. Direito de resistência constitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. 

DAVIS, Angela. Evento pelo Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. Universidade Federal da Bahia (UFBA). Julho, 2017.

FOUCAULT, Michel. O sujeito e o Poder. In: DREYFUS, Hubert L. Michel Foucault: uma trajetória filosófica – para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária,1995.

LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos; um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo : Companhia das Letras,1988. 

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução de Alex Martins, São Paulo: Martin Claret, 2004. 

THE GUARDIAN. Disponível em https://www.theguardian.com/world/2017/mar/06/somethings-happening-how-the-womens-march-inspired-a-new-era-of-resistance#img-1

 

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