Um palavrão bem colocado, dito na ocasião que o pede e dirigido a quem o merece, faz grande bem. É tranquilizador, na medida em que, ao dizê-lo, nos sentimos compensados com o que ou quem nos ofendeu.
Se exprimo meu estado de ânimo por meio de um palavrão, a intenção é atingir a dignidade ou a honra de alguém, ou defender a minha dignidade ou honra? Seja: digo-o para rebaixar a outrem, ou para me elevar?
Como o palavrão é um vocábulo grosseiro, pode parecer que seu uso é destinado necessariamente à injúria de alguém. Em muitas situações, porém, dizemos palavrão a nós mesmos, ou mesmo contra ninguém.
Se cometemos um desacerto, nos ofendemos: “Burro”. Se tropeçamos em qualquer objeto, o afrontamos com palavras, como se tirássemos a culpa de nós e a transferíssemos à pedra na qual topamos o dedão.
Palavras recriminatórias são quase palavrões: patife, por exemplo. Foi relevante no insulto; já quase não se a usa. Canalha, seu sinônimo, subsiste. Mas como a canalhice já não é tão recusada, a aplicação é rara.
Outros palavrões foram interditados: filha da puta. Não pôde subsistir. Ofender alguém insultando-lhe a mãe é de mau-tom. Além de a progenitora referida não ter nada com a questão, a expressão é machista.
Palavrões associados à orientação sexual eram usuais como ofensa: viado. Permanece num ou noutro ambiente menos esclarecido, mas já não é mais apropriado tomar-se palavra homofóbica para ultrajar.
Uma coisa interessante foram insultos novos, nascidos do clima político e prenhes de carga ideológica: comunista, fascista. Dispensam rigor conceitual e se os utilizam para demarcar ou desmerecer posições políticas.
A primeira vez que ouvi palavrão sendo usado como tal foi numa reunião de família. Não que me agradassem, mas, eu era criança, então, à revelia da minha vontade, testemunhei algumas vezes tais acontecimentos.
Tudo muito normal, as gentilezas se desdobrando, quando um casal se desentendeu. Os ânimos se exaltaram, o marido falou mais alto. Dados alguns gritos, o silêncio foi geral. Então, a mulher, voz calma: “Seu corno”.
O silêncio que estava grave transformou-se num coro de oh!. Clima de absurdidade: muitas exclamações, mãos às bocas, caras de horror. Passado um instante de eternidade, uma arrastada repetição: “Seu corno”.
Eu não sabia do que se tratava, mas claramente a coisa ofendeu. Entre as crianças, o desentendimento era geral, mas ninguém ousava perguntar. Os adultos permaneciam perplexos, todavia já se davam a cochichar.
Uma prima adulta, porém, jovem, nos percebeu às crianças e convidou: “Vamos passear?” Fomo-nos todos, e sem nenhuma recomendação, dessas que aconteciam quando crianças se afastavam das mães.
Uma criança mais ousada perguntou: “O que é corno?” A prima adulta tentou explicar: “É que ela saiu com outro”. Então, supus: “Isso é grave?” Claro, pelo clima havia de ser. Mas, que seria sair com outro?
Ao retornamos, a pouca gente que restava se despedia com aparência compungida. Na verdade, só ficara quem esperava sua criança regressar. Logo que retornamos, a silenciosa debandada se fez geral.
A curiosidade me atiçava, mas nada de perguntar. O entendimento só me veio mais tarde, quando um vizinho viu alguém sair da casa de outro alguém e aquilo se elevou a assunto de interesse comum.
Conversa vai, conversa vem, entendi o caso anterior: corno seria um palavrão. Seria é a conjugação apropriada, porque, tendo em vista quem e como foi usada a palavra, corno não era palavrão, era fato.
Quer dizer: se a mulher chama o próprio marido de corno, não o ultraja com palavrão, tão só, mas, narra-lhe um fato, um fato que, posto em público, a vida social daquele tempo não sabia como administrar.
Não acredito que se dê tanta importância a um acontecimento desses nos dias que correm, em que ninguém jura eternidade, e se jurar fidelidade sabe das probabilidades de o juramento não se cumprir.
Mas, retorno à minha dúvida inicial: palavrão é útil para rebaixar a outrem, ou para me elevar? Creio que depende. Minha tia ouvia desaforos quando liquidou a situação: rebaixou o marido e elevou-se.
Palavrão tem efeito relativo, a depender da ocasião. Em muitos casos produz catarse: uma passageira imensa satisfação; em outros, palavrão não satisfaz a raiva; noutros, achamos que dissemos demais.
No escrever percebi essa transformação: o politicamente correto excluiu certos dizeres de natureza pessoal, mas autorizou o palavrão público. Injuria-se menos a vida privada; opção política pode ser insultada.
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