A Ordem Implicada – Por Thiago Brega de Assis

28/05/2017

Como já afirmado no artigo “Ciência: a luta do cosmos contra o caos” (confira aqui), ciência é conhecimento racional integral, o que inclui uma teoria de ordem, harmonia, organização. Pressupõe, assim, uma metafísica, teoria que explica todos os fenômenos.

Desse modo, não há ciência sem ordem, sem organização dos dados e dos fenômenos, sem uma relação ou ligação entre coisas e/ou ideias, pelo que a ciência depende de um ato de fé, pois pressupõe que existam conexões e semelhanças entre situações do mundo, ainda que não aparentes, não experimentadas pelos (cinco?) sentidos.

A fé, a crença numa ordem superior, que transcende os fenômenos, e racional, além do que se pode perceber pelos sentidos, é componente básica da ciência mais moderna e avançada, que mesmo não compreendendo eventos invisíveis, que de alguma forma são imaginados, inclui esses eventos na teoria científica.

Sobre a questão da ordem, o ganhado de um Nobel Richard Feynman afirma que uma “das regras do mundo é que as coisas sempre transitam de uma condição ordenada a uma condição desordenada”, o que penso talvez não esteja totalmente correto (a transição é provavelmente de uma ordem que passa de simples a complexa, de mais grosseira a mais sutil), mas ele diz que uma das conclusões disso está na possibilidade de que “a partir do presente é possível dizer algo sobre o passado” (In Sobre as leis da física. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2012, p. 120). Para ele, o estudo do passado está ligado às ciências históricas, enquanto a física normalmente procura saber o que ainda vai acontecer. Isto significa que, entendendo a ordem dos eventos, é possível a análise pretérita ou futura, do que já aconteceu ou do que vai ocorrer.

Em seguida, Feynman afirma que o mundo possui diversos níveis e hierarquias de ideias, e que todas “as ciências – não só as ciências, mas todos os esforços intelectuais – são tentativas de encontrar conexões entre hierarquias, de conectar beleza com história, história com psicologia do homem, psicologia do homem com funcionamento do cérebro, cérebro com impulsos nervosos, impulsos nervosos com química e assim por diante, para cima e para baixo, nos dois sentidos. Ainda não podemos ligar um extremo a outro, só começamos a perceber que existe essa hierarquia relativa”, e que estamos compreendendo “cada vez mais esse tremendo universo de hierarquias interconectadas” (G. nosso. Idem, pp. 131/132).

No caso do Direito temos a ordem jurídica, o conjunto das normas que regulam a vida das pessoas, segundo uma hierarquia de valores, que está, de algum modo, ligada às demais hierarquias ou ordens da natureza, como afirmado por Feynman.

Ao longo da história, a ciência e sua filosofia, como ideia de Ser, ditam os valores sociais, as hierarquias sociais, que determinam o Direito vigente, segundo uma ideologia de mundo, uma forma de ligar os acontecimentos.

A ciência procura a ordem do universo, a unidade do conhecimento, pelo que pressupõe que exista uma ordem, um cosmos, e não o caos. Se não existisse ordem os fenômenos seriam todos aleatórios, e não faria sentido fazer ciência para suas previsões. Deus é exatamente a Ordem do Universo, o princípio e o fim de tudo, a Unidade do Conhecimento, o Logos, o Espírito, Razão ou Energia total, onipresente, onisciente e onipotente. Conhecimento científico, desse modo, é conhecimento de Deus.

Podemos dizer que a autêntica ciência é o amor à sabedoria e à verdade plena, à Ordem mais ampla, à hierarquia mais alta, ao conhecimento cósmico. Direito é amor à Ordem social harmônica, à Justiça, a Deus, que une todas as hierarquias em Si, formando a Unidade da humanidade com a natureza, em uma única Ordem, com significado, com sentido. E a necessidade de reconexão do homem com a natureza fica cada vez mais clara pelos atuais eventos ambientais, mostrando os efeitos das ações humanas sobre o mundo, e do mundo sobre as pessoas.

Nesse sentido, segundo David Bohm, “temos de considerar o Universo como uma totalidade indivisível e inseparável. A divisão em partículas, ou em partículas e campos, não passa de uma aproximação e uma abstração grosseira. Portanto, chegamos a uma ordem que é radicalmente diferente daquela de Galileu e de Newton – ordem da totalidade indivisível” (G. nosso. In Totalidade e a ordem implicada. Tradução Teodoro Lorente. São Paulo: Madras, 2008, p. 135). Essa totalidade indivisível inclui o observador, o ser pensante, pois este e o mundo observado, fisicamente, “são aspectos imersos e interpenetrados de uma realidade completa, que é indivisível e incomensurável” (G. nosso. Idem, p. 25).

Essa realidade é infinita. A ciência, portanto, deve estar aberta, em seus conceitos, à infinitude, ainda que procure trabalhar, o tanto quanto possível, dentro da maior determinação. Mas a certeza e a infalibilidade, como destaca o princípio da incerteza, transcendem a matéria, somente sendo alcançadas em Deus, que é o conjunto, o Espírito da Totalidade, a Lei que rege o mundo como fluxo universal. Isso porque, para Bohm, existe “um fluxo universal que não pode ser definido explicitamente, mas que pode ser conhecido apenas implicitamente, como indicado pelas formas e contornos definíveis explicitamente, alguns estáveis e outros instáveis, que podem ser abstrações do fluxo universal” (Idem, p. 27).

David Bohm defende que existe, segundo a física quântica, uma interligação em todo o universo, pois o movimento da luz em cada região se expande interferindo em cada região do espaço, e se “expande por todo o Universo e sobre todo o passado, com implicações para todo o futuro”, gerando uma noção da nova visão da realidade, em que “a ordem total está contida, de algum modo implícito, em cada região do espaço e do tempo”. Implícito, no caso, decorre do verbo “implicar”, significando “dobrar para dentro”, de modo que “cada região contém a estrutura total ‘envolvida’ dentro dela” (G. nosso. Idem, p. 157). Explicando esse fenômeno, o autor cita uma onda de rádio que contém uma informação implicada, a qual é explicada por um receptor, desdobrando a informação, por exemplo, em som e música.

A visão de Bohm destaca que a física tem dado ênfase à ordem explicada, dobrada para fora e apreendida pelos sentidos, em que as coisas estão separadas umas das outras, mas que após as descobertas da orgânica quântica a “relevância primária deve ser dada à ordem implicada”, tendo a ordem explicada uma significância secundária (G. nosso. Idem, p. 158).

As analogias com o cristianismo e o Direito são evidentes, pois a relevância primária deve ser dada à Justiça, ao Espírito da Lei, à União Espiritual das pessoas, à ordem implicada, em detrimento da letra da lei, da ordem explicada das coisas aparentes.

“Para generalizar, de modo a enfatizar a totalidade indivisível, devemos dizer que o que ‘carrega’ a ordem implicada é o holomovimento, que é uma totalidade indivisível e inseparável. (…) Logo, em sua totalidade, o holomovimento não é limitado de qualquer maneira especificável. Não é exigido que se conforme a qualquer ordem em particular ou que esteja ligado por qualquer medida em particular. Portanto, o holomovimento é indefinível e incomensurável” (BOHM, 2008, p. 159).

Sendo assim, pela indefinição e incomensurabilidade do holomovimento, cada teoria deve abstrair o que é relevante, ou seja, o que é elevado, destacado do todo, posto em relevo, estudando a parte escolhida, sem esquecer que ela integra uma realidade maior, que é a verdadeira, sendo esta indivisível.

Nesse holomovimento, o que vale é a Lei do Todo, a Holonomia, do que decorre que qualquer autonomia é relativa limitada por Aquela (Idem, p. 165). Desse modo, apenas o Todo, Deus, é absoluto. A conclusão de sua teoria quântica é surpreendente:

“Isso evidentemente significa uma totalidade completa no nosso pensamento. Ou, como foi dito, ‘tudo implica tudo’, mesmo a ponto de que ‘nós mesmos’ estamos implicados juntos com ‘tudo aquilo que vemos e pensamos’. Logo, estamos presentes em todos os lugares e em todos os tempos, apesar de fazer isso apenas implicadamente (ou seja, implicitamente)” (G. nosso. Idem, p. 175).

Outrossim, cada um de nós está ligado a tudo mais que existe, ainda que tenhamos a ilusão egoísta de separação. O ego, como origem do egoísmo, é o centro da consciência individual, a unidade pessoal que nos distingue do resto do universo. Tudo é exterior ao ego, nossa unidade psíquica, que se relaciona com o mundo pelo Si-mesmo, a totalidade psíquica indicada por Jung como centro virtual do inconsciente coletivo, que inclui todos os egos, na unidade quântica. Desse modo, se o conceito, a ideia do Uno, a ideia de mundo não for total, incluindo todos os egos, a pessoa não é integral.

Como a ação integral é exceção, a visão egoísta do mundo exige a formulação de normas jurídicas, para que cada pessoa respeite as demais, de modo que os comportamentos sejam compatíveis com uma única ordem racional, ditada pelo Direito, por Deus, como Consciência coletiva, ou Logos, que se manifestou em Jesus Cristo. Jesus Cristo tinha Consciência de sua implicação com tudo mais que existe, e por isso podia dizer: “Eu e o Pai somos Um”.

Os conceitos individuais e particulares dividem a unidade quântica total em unidades menores com sentidos parciais, relacionadas ao ego, com conceitos próprios, que devem ser organizados em conjunto para o correto entendimento do mundo, da realidade completa, do sentido total. Assim, tudo é exterior ao ego, mas interior ao Si-mesmo, à Consciência, à Unidade, a Deus, a Uniplurissubjetividade que inclui todas as subjetividades.

Por isso, o Decálogo, como uma das primeiras expressões normativas da Consciência, contendo os dez mandamentos, é prova da inteligência divina, estabelecendo as normas de uma vida social, ainda válidas, em que cada pessoa está ligada a outra, e depende de uma ordem superior invisível, pois a vida também é condicionada pelo respeito à razão do outro. E levando esse entendimento à plenitude, Jesus Cristo ensinou que devemos amar a Deus e ao próximo, pois amando a Deus entendemos que nós e o próximo fazemos parte da mesma realidade indivisível e incomensurável, da mesma Consciência.

Sendo tudo movimento, a Consciência é a percepção da situação da própria pessoa e das demais pessoas dentro desse movimento, analisando o sentido do comportamento individual em relação ao holomovimento, à ordem total, ao Espírito. Consciência se liga ao conceito de moral, à pertinência dos comportamentos a uma ordem racional, dos efeitos das ações sobre a vida dos outros, a uma ordem de valores e sentido.

Se cada humano é uma conexão com a ordem total, o espírito humano é como um neurônio no cérebro de Deus, e quando sua ação ocorre por caridade, ligando-se ao outro pelo amor fraterno, essa ação atua como uma sinapse divina, formando comunicação espiritual. Nessa união espiritual, o homem flui junto com a onda piloto do universo, o Logos, ou Espírito Santo, une-se ao holomovimento de modo ordenado e harmônico, faz Justiça. Por isso a função do Estado é constituir uma sociedade livre, justa e solidária, realizar o Reino de Deus, que não terá fim.

“Nós criamos limites para nos esquecermos do incomensurável”. Essa fala de Lucy, personagem do filme homônimo, demonstra uma realidade de nossas vidas que está também na ficção científica, ainda que não percebamos isso, ou seja, que vivemos em uma singularidade cósmica, no Big Bang.

Na singularidade “inicial”, antes mesmo de se formarem as primeiras partículas de matéria, toda a energia estava concentrada em um único ponto. Essa unidade estava em estado de entrelaçamento ou emaranhamento quântico, unidade que persiste e mantém todo o Universo unido em potência consciente, em uma conexão implícita com tudo, como diz Bohm. A ciência busca o conhecimento dessa Unidade, em consciência.

Assim, ciência é a ação teórica e prática para a alcançar a Unidade cósmica perdida, além das aparências, o que também se aplica à Religião, que explica que a Queda é a causa da perda dessa Unidade, e ao Direito, como Religião científica.

A Consciência impele o homem, para além de seu egocentrismo, à unidade maior, à unidade com Deus, à finalidade espiritual de sua existência, para a felicidade eterna, para Ser, o que implica no reconhecimento do holomovimento e da ordem respectiva, com sua observância, para que a vida tenha sentido e plenitude. Consciência é a moralidade subjetiva, que também é objetiva e física, em consonância com a unidade do Ser e sua Holonomia.

O problema fundamental do mundo, portanto, é de falta de consciência, de educação na acepção básica da palavra. Estamos sendo mal educados, vivendo inconscientemente.

Nesse ponto, o principal problema político do Estado, que por natureza é racional, é a ignorância, pois esta leva a massa a ser manipulada política e religiosamente. O primeiro problema estatal é, pois, religioso. O foco da ação pública é/deve ser, portanto, a educação reflexiva, integral. Segundo o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2009, p. 714) educação é: “2. Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social (…) 6. Aperfeiçoamento integral de todas as faculdades humanas” (G. nosso).

A verdadeira educação é a instrução com exemplo, como nos mostrou Jesus Cristo, o único com a plenitude de todas as faculdades humanas, como perfeita imagem e semelhança de Deus, agindo para a integração humana além das aparências e separações, renunciando ao ego para a união com Deus. Quando seguimos o exemplo de Cristo, “Aí não há mais grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo é tudo em todos” (Cl 3, 11).

A primeira liberdade a ser buscada, destarte, é a do pensamento, a liberdade do Espírito, para viver pela Razão, pelo Logos, e não pelo instinto animal, do prazer que escraviza. A primeira liberdade é a liberdade de superar a separação do ego, permitindo a união do homem Deus, e com os outros homens.

O Direito é a forma científica, pela razão coletiva, pelo Consciente coletivo, incluindo a administração pública e a educação pública, de promover essa Unidade, da Consciência dos homens entre si e destes com Deus, com a Ordem da Physis, sendo este o símbolo maior da cruz de Cristo, morto indevidamente pelo direito romano e pela lei mosaica, as formas mais avançadas de Direito, humano e divino, até então conhecidas, ou desconhecidas.

A cruz indica a realidade da ordem implicada, além das aparências, mostrando que quando o homem se une a Deus, a Ordem Total contida em tudo, a Ordem Implicada, a morte também se revela apenas aparente…


 

Imagem Ilustrativa do Post: Vitreous metaphysics II // Foto de: Alkan Chipperfield // Sem alterações.

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