A interpretação contra o predisponente nos contratos – Por Mauricio Mota

21/12/2016

A regra da interpretatio contra proferentem vel stipulatorem em sua formulação moderna no direito dos contratos vem expressa nos Princípios dos Contratos do Comércio Internacional - UNIDROIT que estabelecem as regras gerais para os contratos do comércio internacional, buscando uma unificação do direito privado dos contratos. Os princípios se aplicam quando as partes tenham concordado que seu contrato seja regido por eles, ou seja, que tenham concordado que seu contrato seja regido pelos "princípios gerais de direito", pela "lex mercatoria" ou equivalente. Via de regra, visam fornecer uma solução a questões controversas nos casos em que se demonstra impossível determinar uma regra pertinente do direito aplicável, podendo servir como modelo para legisladores nacionais e internacionais.

Assim, os Princípios dos Contratos do Comércio Internacional - UNIDROIT estabelecem em seu artigo 4.6: (“Interpretação "contra proferentem") Se cláusulas do contrato propostas por uma parte não são claras, é preferível uma interpretação contrária a esta parte. O princípio era corrente no direito romano:

"O autor de uma cláusula, o que nela outorga, ou por ela se obriga, o que mediante essa cláusula contrata dar ou fazer alguma coisa, o estipulante, em suma, é a quem toca deixar bem frisadas as suas responsabilidades, bem definidos os seus direitos, para que nem estes corram o risco de minguar, nem aquelas o de crescer. Portanto, se do enunciado em que se contém a sua promessa de fazer, ou dar, resultar dúvida, esta contra esse contraente se resolverá. Dubilis conventionibus contra dantem vel promittentem sit interpretatio. Verba chartarum fortius accipiuntur contra proferentem" (SIMÃO BARBOSA, Axiomata Juris, 1717, fl. 87, letra D, nº 225, e letra I, nº 112: BROOM's Legal Maxims p. 592).

O Código Civil italiano contemplou a interpretatio contra proferentem em seu art. 1370[1].

No direito brasileiro, o Código de Defesa do Consumidor contemplou norma semelhante em seu art 47[2], referente a todos os tipos de contratos de consumo (interpretação a favor do consumidor). O Código Civil estabeleceu a interpretação dos negócios jurídicos conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração (art. 113), bem como apresentou importante cláusula geral de interpretação dos contratos ao dispor que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como na sua execução, os princípios de probidade e boa-fé (art. 422). Não fixou contudo interpretação exaustiva, como bem coloca em acerba crítica o Prof. Antônio Junqueira de Azevedo:

"Com relação às deficiências, a regra da boa-fé tem uma espécie de função que chamo de "pretoriana" em relação ao contrato. O chamado "Direito Pretoriano", no Direito romano, foi aquele que os pretores introduziram para ajudar, suprir e corrigir o Direito Civil. Havia o Direito Civil estrito (o Direito Civil mais rigoroso) e o Direito Pretoriano veio adjuvandi, supplendi, vel corrigendi e juris civilis gratia.

Essa tríplice função existe na cláusula geral de boa-fé, porque justamente a idéia dessa cláusula no contrato é ajudar na interpretação do contrato, adjuvandi, suprir algumas das suas falhas, acrescentar o que nele não está incluído supplendi e eventualmente corrigir alguma coisa que não é de direito no sentido de justo corrigendi. Esse é o papel da cláusula de boa-fé nos contratos feitos.

São essas três funções os pontos que, nos países europeus, na doutrina da boa-fé, mais são salientados. Houve um certo movimento, desde o começo do século, a propósito da boa-fé, ela já teve até mais importância do que tem hoje e nos últimos anos tem havido até um certo refluxo da mesma, mas continua fundamental para os contratos.

A interpretação de acordo com a boa-fé está bem tanto no art. 421 como no primeiro artigo da Parte Geral sobre interpretação dos negócios jurídicos. Mas as outras duas funções, aquela que é supplendi e a outra que é corrigendi, não estão no Projeto. No caso da função supplendi, há dois aspectos: um é o problema dos deveres anexos. A cláusula de boa-fé — sempre comentada por todos os tratadistas, por todos os manuais — cria deveres anexos ao vínculo principal. Existe aquilo a que as partes expressamente se referiram e, depois, há deveres colocados ao lado, ora ditos secundários, ora anexos, especialmente o dever de informar, mais um dever negativo, o de manter sigilo sobre alguma coisa que soube da outra parte, ou até deveres ditos positivos, como o de procurar colaborar com a outra parte (daí até uma visão talvez excessivamente romântica, de que os contratantes devem colaborar entre si).

Esses deveres anexos, nos Códigos a que estava me referindo, hoje estão expressos. O Código Civil holandês, por exemplo, trata do assunto no art. 242 do Livro das Obrigações e diz que as partes devem respeitar aquilo que convencionaram. Ou seja, o contrato não produz somente os efeitos que foram convencionados entre as partes, mas igualmente aqueles que, segundo a natureza do contrato, decorrem das exigências da razão e da eqüidade. Razão e eqüidade é a maneira como o Código Civil holandês se refere à boa-fé. Os autores holandeses evitaram a palavra "boa-fé", para que não houvesse confusão com a chamada "boa-fé subjetiva" — a boa-fé no sentido de conhecimento ou desconhecimento de uma situação. Como o caso da cláusula geral da boa-fé não é um problema de boa-fé subjetiva, mas sim objetiva, no sentido de comportamento, os holandeses preferiram mudar a expressão para "exigências da razão e da eqüidade". De qualquer maneira, falam da boa-fé criando deveres. Idem o art. 1.434 do Código do Quebec que, no caso, já fala em boa-fé. O Projeto, para estar pelo menos de acordo com os dias de hoje, deveria ter expressa a regra da criação dos deveres anexos.

O outro ponto, a propósito do supplendi das funções da cláusula de boa-fé, refere-se às cláusulas faltantes. Às vezes as partes fazem o contrato e, por omissão, falta de previsão ou incapacidade redacional, não incluem alguma cláusula; teremos, então, uma omissão. Também o Código da Louisiana prevê a falta de cláusula e atribui à boa-fé a idéia de pôr a cláusula que falta no lugar da omissão.

A terceira função corrigendi a que me referi e é talvez a pior omissão do Projeto do Código Civil no tema: "cláusulas abusivas". O nosso Código do Consumidor, que veio muito depois do Projeto do Código Civil, está mais atualizado do que este. O assunto das cláusulas abusivas não só tem um elenco no art. 51 do Código como até o Ministério da Justiça publicou mais 29 — no mês de março de 1999 — cláusulas abusivas em matéria de planos de saúde, de cartão de crédito, de transporte aéreo etc.

O que se passa no resto do mundo, a propósito disso, são referências à boa-fé, como maneira de evitar as cláusulas abusivas. Por exemplo, no Código de Quebec, em que se define o que é cláusula abusiva, é feita a distinção entre contrato de consumo (le consommateur) e contrato de adesão, porque pode haver contrato de adesão de quem não é consumidor. Considera, portanto, abusiva a cláusula que leva à desvantagem o consumidor, ou aderente a cláusula que, de uma maneira excessiva e irrazoável (déraisonnable), vá contra as exigências da boa-fé. Mais adiante torna a acrescentar que é abusiva especialmente a cláusula tão afastada das obrigações essenciais que desnatura o contrato. O Código Civil holandês também define, em seu art. 248, o que é cláusula abusiva e assim por diante"[3].

Não obstante as deficiências do Código Civil, cuja estimativa compartilhamos com o autor, cabe fazer uma interpretação criativa da regra contra proferentem, embora a mesma talvez ainda não possa ser desenvolvida no direito brasileiro em todas as suas possibilidades.

Em primeiro lugar, devemos salientar seu novo papel no controle das cláusulas abusivas. No início, tal cláusula era utilizada para delimitar o risco contratual, sobretudo na compra e venda e no arrendamento, no direito romano. Depois, generaliza-se com o cristianismo, ao relacionar-se com o princípio da boa-fé. Nos textos do período da Codificação funciona como fórmula de ajuste contratual, ainda no âmbito da declaração de vontade das partes. Por fim, constitui-se em um mecanismo de controle de conteúdo por via indireta capaz de dar conta das disfunções da contratação em massa, não compreendidas nas cláusulas abusivas expressas. Juan Roca Guillamón sintetiza bem esse percurso:

"Si se atiende a los orígenes de la máxima según la cual la interpretación de las palabras de las estipulaciones debe hacerse contra el oferente, parece claro que aunque su fundamento sea el mismo, no se puede considerar idéntica su función. Así, en su formulación romana, la regla se refiere, según dos textos de PAULO que se incluyen en el Digesto, a las oscuridades dentro de dos concretos contratos, la compraventa (Dig. Libro II, título XIV, Ley 39) y el arrendamiento (Dig. Libro L, título XVII, Ley 172, párrafo inicial), y pasa a ser expresada en forma de brocardo al enseñarse que «En la venta y en el arriendo el pacto oscuro o ambiguo se interpreta contra el vendedor o arrendador, pues pudieron consignarlo más claro». Criterio que se recoge más tarde, en España, por las Partidas (e si alguna destas razones el judgador no pudiera catar, nin veer, estonce deue interpretar la dubda contra aquel que dixo la palabra, o el pleyto escuramente a daño del, e a pro de la otra parte» (P. VII, título XXXIII, ley 2.).

Se trata por tanto de una regla claramente interpretativa que, en su modalización medieval, se generaliza cuando se pone en relación con el principio de buena fe, con resultados que ya no son idénticos a los del Derecho romano porque, como señala BUSSI, el sistema del Derecho común poseía una fisonomía particular, tan distinta de la romana como distinta era la mentalidad de los doctores medievales.

La regla contra stipulatorem deviene así, en los textos de la Codificación, en una consecuencia de la responsabilidad contractual, pues con ella se atiende a la responsabilidad resultante de una indebida conducta negocial (incumplimiento del deber de hablar claro). De forma que el artículo 1288 del Código Civil español (como el artículo 1137 del primer Codice civile italiano, de 1865) opera, en su origen, a modo de regla general de distribución del riesgo contractual: la infracción por cualquiera de las partes de la carga de clare loqui (45) determina que la oscuridad resultante no le pueda beneficiar, y por tanto la estipulación deba ser entendida en contra de su interés, o, lo que es igual en beneficio de la otra parte.

Como es sabido, en la práctica la regla del artículo 1288 del Código Civil ha sido aplicada fundamentalmente por los tribunales como una medida de ajuste de los desequilibrios contractuales en la contratación por adhesión, con lo cual se venía ya advirtiendo una importante transformación, obra de la doctrina y de la jurisprudencia, y luego consagrada legislativamente (en Italia desde el Código de 1942; en España, desde la LGDCU) si no en su estructura, sí en su función, por cuanto sin dejar de ser una sanción a la infracción de un deber de corrección contractual, pasa a constituirse, de hecho, en un auténtico mecanismo de control de las condiciones generales por vía de su interpretación. Tampoco puede dejarse de notar que en tanto no se dispone de un procedimiento de control de contenido únicamente en esta vía indirecta parece haberse encontrado un procedimiento de corrección de las numerosas disfunciones que pueden seguirse de la contratación en masa, sometida a condiciones generales. Lo que no excluye, naturalmente, que siga desempeñando su primitiva función en el ámbito de la contratación privada singular o personal, no estandarizada, siempre que se dé el presupuesto de que la cláusula discutida haya sido redactada por una sola de las partes"[4].

Cabe aqui ser ressaltado, consoante a boa-fé objetiva, que a predisposição significa a exigência de que as cláusulas contratuais tenham sido elaboradas com anterioridade ao começo da fase de negociação do contrato. O elemento primordial desse requisito está radicado na formulação unilateral por parte de um dos contratantes, quer dizer, a colaboração entre ambas as partes foi substituída pelo ato unilateral, prévio, de formação, no todo ou em parte, do futuro regramento contratual e pelo ato sucessivo de adesão da contraparte.

A formação unilateral significa que a redação se realizou por um dos contratantes e que, no momento contratual, não houve colaboração das partes para sua inclusão no contrato. Trata-se de uma ausência de discussão. Como explica Juan José Marín López:

"El requisito de la predisposición significa redacción previa y unilateral del contenido contractual por parte del profesional. La antigua redacción del artículo 10.2 I de la LCU era más clara en este punto que el actual artículo 1.1 de la LCGC, en la medida en que se refería a las cláusulas, condiciones o estipulaciones «redactadas previa y unilateralmente por una Empresa o grupo de Empresas». La predisposición se caracteriza por la falta de negociación entre las partes sobre el contenido contractual, cuya confección ha sido realizada, antes de la celebración del contrato, y de modo unilateral, por el profesional. Como es lógico, el solo hecho de que el contrato haya sido redactado por el predisponente no significa, sin más, que se trate de unas condiciones generales de la contratación, pues han de concurrir los restantes requisitos especificados en el artículo 1.1 de la LCGC"[5] 

Ao apreciar o elemento da predisposição não é necessário que as cláusulas tenham sido fixadas de antemão por escrito. O que importa é que tenham sido elaboradas de antemão ou que tenham sido preconcebidas, tomando como referência para tal efeito o momento de início da fase de negociação contratual.

No dizer de Javier Pagador López, existe predisposição não só no caso daquelas cláusulas contratuais que se plasmam em forma escrita mas também daquelas que se recolhem em folhetos, formulários contratuais, outros documentos, cartelas e avisos expostos ao público ou conhecidos da clientela ou, ainda, aquelas cláusulas que se encontram em outros suportes materiais não documentais (vídeo, CDs, arquivos de informática etc.)[6].

Quando as cláusulas contratuais são predispostas unilateralmente por uma das partes, enquanto o promitente-assinante apenas adere ao seu conteúdo, a regra de interpretação desses contratos de adesão é de que o conteúdo das cláusulas contratuais deve ser interpretado da maneira mais favorável ao aderente. Como o predisponente tem a possibilidade de elaborar previamente o contrato, as dúvidas e ambiguidades de suas cláusulas contratuais devem ser interpretadas em favor da outra parte contratante, que se limitou a aderir ao conteúdo predisposto. É o que se entende por interpretação contra o predisponente[7].

Se a predisposição não tiver resultado de nenhuma das partes, mas tiver sido imposta pelo Poder Público, impõe-se com mais razão a possibilidade de revisão do contrato por quaisquer das partes prejudicadas[8].

Nos contratos de adesão quaisquer cláusulas contratuais predispostas se consideram impostas, a menos que hajam sido fruto de um processo de negociação entre as partes.

Não é necessário para a caracterização da imposição que o predisponente se situe em uma posição de monopólio ou oligopólio. Basta que o consumidor se veja na necessidade de submeter-se às condições predispostas pelo fornecedor para adquirir o produto em concreto, que não possa elidir sua aplicação, de acordo com a razoável disposição de meios para o objeto. Haverá imposição sempre que o consumidor se vê forçado a contratar, não tendo alternativa em virtude da sua necessidade dos bens - mesmo que haja várias empresas do ramo, o cliente não encontra quem esteja disposto a fornecer-lhe em melhores condições aquilo de que necessita. Havendo opções, não há que se falar em imposição ou rigidez:

"Así, la STS de 18 de junio de 1992 (36), en una de las primeras cuestiones de competencia por inhibitoria promovida por una comunidad de vecinos demandada por una empresa de mantenimiento de ascensores de las que conoció el Tribunal Supremo, rechazó la aplicación del artículo 10 de la LCU a la cláusula de sumisión incluida en las condiciones generales del contrato porque consideró, entre otras razones, que «en el caso de autos no consta que sea la empresa de servicios [actora] la única que los presta en la ciudad, ni que sea de aplicación inevitable la cláusula (artículo 10.2 de la Ley de 1984)"[9].

Para Orlando Gomes, o que caracteriza nas cláusulas predispostas a imposição no contrato de adesão é a circunstância de que aquele a quem é proposto não pode deixar de contratar porque tem a necessidade de satisfazer a um interesse, que, por outro modo, não pode ser atendido. In verbis:

“Esse constrangimento não configura, porém, coação, de sorte que o contrato de adesão não pode ser anulado por esse vício do consentimento. A situação de constrangimento se cria para uma das partes é porque a outra desfruta de um monopólio de fato ou de direito, no exercício do qual os serviços que se propõe a prestar através de uma rede de contratos, de operações em massa, conservam a natureza de serviços prestados por particulares. Desde pois, que o interessado não possa prescindir do serviço, nem se dirigir a outrem que o preste ao menos em condições diversas, é forçado a contratar com o monopolista.”[10]

Concorre o requisito da generalidade quando as cláusulas em questão tenham sido predispostas com o propósito de receber aplicação em uma pluralidade de contratos.

Do ponto de vista prático, Javier Pagador López enuncia uma série de regras para se aferir quando as condições gerais dos contratos foram predispostas com a finalidade de aplicar-se a uma multiplicidade de contratos:

a) em primeiro lugar, para o efeito de admitir a concorrência do elemento de generalidade ou uniformidade é irrelevante que as cláusulas contratuais pré-redigidas se tenham elaborado para receber aplicação com respeito a um número determinado ou indeterminado de contratos; o importante é, em qualquer dos casos, que o seu criador tenham o propósito de aplicá-las a uma pluralidade - determinada ou indeterminada - deles;

b) em segundo lugar, concorre o elemento de generalidade ou uniformidade quando um clausulado contratual é predisposto a ser aplicado a todos (lato sensu) os contratos de um mesmo tipo que o predisponente conclui no desenvolvimento de sua atividade empresarial ou profissional no mercado. Isso, independentemente de se tratar de um número determinado ou indeterminado de contratos, e de que, com caráter eventual, esse clausulado possa deixar de aplicar-se total ou parcialmente em supostos concretos;

c) em terceiro lugar, concorre o elemento de generalidade ou uniformidade quando o predisponente se serve, para o desenvolvimento de sua atividade negocial no mercado, de clausulados contratuais elaborados por outros empresários ou profissionais, ou por associações e organizações empresariais ou colegiados profissionais, se os criadores dos ditos clausulados os elaboraram com o propósito de utilizá-los eles mesmos ou de que o façam seus associados ou membros no desenvolvimento de sua atividade negocial própria, em cujo caso poder-se-á aceitar que se dá o elemento da generalidade;

d) por último, não deixa de concorrer o elemento da generalidade ou uniformidade pelo fato de que se utilizem diversos modelos ou classes de condições gerais para aplicá-las a um mesmo tipo de contrato, seja indistintamente, seja em função de quaisquer circunstâncias[11].

O critério determinativo da generalidade é, deste modo, o uso efetivo delas no tráfego jurídico:

"La referencia a la «pluralidad de contratos» está claramente tomada del §1(1) AGBG (für eine vielzahl Verträgen), aunque la mención a la «finalidad de ser incorporadas» es una aportación autóctona de nuestro legislador que puede introducir alguna dificultad interpretativa. Pues, en efecto, lo relevante no es tanto que un profesional, o un tercero, haya redactado unas cláusulas contractuales con la «finalidad» de incorporarlas a una pluralidad de contratos, lo que no deja de ser un motivo puramente subjetivo que ni siquiera tiene por qué trascender al exterior (es perfectamente posible, por ejemplo, que redactadas esas cláusulas con esa finalidad se depositen por el profesional en un cajón y nunca sean utilizadas), sino que lo importante es que efectivamente haga uso de ellas en el tráfico jurídico, realizando contratos e imponiéndolas a la contraparte. En definitiva, unas cláusulas son condiciones generales de la contratación cuando, predispuestas con la finalidad de ser incorporadas a una pluralidad de contratos, son efectivamente utilizadas por el profesional, incorporándolas a una pluralidad de contratos"[12]. 

Concluindo, na abrangência da predisposição nos contratos, a regra contra proferentem, modernamente, deve ser utilizada para aclarar os conceitos indeterminados de obscuridade, ambiguidade ou dúvida, estabelecendo um dever central de transparência que deverá ser o princípio lógico da contratação por adesão. Deste modo, cabe falar em obscuridade ou ambiguidade (quer dizer, quando há falta de transparência) quando o aderente for prejudicado por exigência de um nível de conhecimento técnico superior ao estritamente médio, ou por ser a cláusula incerta[13], indeterminada ou ambígua[14].

Avulta assim, no âmbito da predisposição nos contratos, o princípio da transparência, cláusula geral aplicável a todos os contratos de consumo, mas também agora, por expressa menção no Código Civil, extensível aos contratos submetidos às cláusulas gerais.

Transparência, em última instância, é o dever que tem o fornecedor de dar informações claras, corretas e precisas sobre o produto a ser vendido, o serviço a ser prestado, ou sobre o contrato a ser firmado - direitos, obrigações, restrições, etc. O princípio é repetido em vários dispositivos do CDC - art. 6º, III, 31, 54, § 3º. Isso está a evidenciar que nos contratos de consumo não é cabível o dolus bonus.

Neste ponto, em termos de predisposição de cláusulas de um contrato, há uma inversão de papéis. Antes, era o aderente que tinha que correr em busca da informação. Antes de comprar um carro usado em uma agência tinha que virá-lo do avesso para não ser enganado. Antes de fazer um contrato de seguro tinha que procurar saber tudo a seu respeito para não ser surpreendido.

Hoje, portanto, como já assinalado, os papéis se inverteram e é o fornecedor que tem o dever de informar, dever esse que persiste não só na fase pré-contratual, quando as informações são fundamentais para a decisão do consumidor, mas até na fase pós-contratual (art.10, § 1º do CDC). A violação desse dever de informar importa na nulidade ou na interpretação contra o predisponente da cláusula contratual predisposta.


Notas e Referências:

[1] Codice Civile

Art. 1370 - Interpretazione contro l´autore della clausola

Le clausole inserite nelle condizioni generali di contratto o in moduli o formulari predisposti da uno dei contraenti s´interpretano nel´dubio, a favore dell´altro.

[2] Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 47 - As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor ”.

[3] AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Insuficiências, deficiências e dasatualização do Projeto de Código Civil na questão da boa-fé objetiva nos contratos. In: Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, Ano 1, v. 01, p. 03-12, jan./mar.., 2000

[4] GUILLAMÓN, Juan Roca. Reglas de interpretación de las condiciones generales de los contratos. In: Carol, Ubaldo Nieto y otros. Condiciones generales de la contratación y cláusulas abusivas. Valladolid : Lex Nova, 2000, p 330/331.

[5] LÓPEZ, Juan José Marín. El ámbito de aplicación de la ley sobre condiciones generales de la contratación. In: Carol, Ubaldo Nieto y otros. Condiciones generales de la contratación y cláusulas abusivas. Valladolid: Lex Nova, 2000, p 109-217.

[6] LÓPEZ, Javier Pagador. Condiciones generales y cláusulas contractuales predispuestas. Madri: Marcial Pons, 1999, p. 258.

[7] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ementa: CRT. Ações. Apelação Cível nº 70002964930. 19ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Luiz Augusto Coelho Braga. Julgado de 04 de dezembro de 2001. "O contrato de participação financeira, que é firmado entre a CRT e seus assinantes, constitui um típico contrato de adesão. As cláusulas contratuais são predispostas unilateralmente pela CRT, enquanto que o promitente-assinante apenas adere ao seu conteúdo.

Não se descaracteriza o contrato pelo fato de ter seu conteúdo fundamental determinado por regulamento administrativo, como ocorre no caso da CRT, que se orienta por Portarias do Ministério das Comunicações.  A principal regra de interpretação dos contratos de adesão é de que o conteúdo das cláusulas contratuais deve ser interpretado da maneira mais favorável ao aderente.

Como o predisponente tem a possibilidade de elaborar previamente o contrato, as dúvidas e ambiguidades de suas cláusulas contratuais devem ser interpretadas em favor da outra parte contratante, que se limitou a aderir ao conteúdo predisposto. Essa regra também é denominada como sendo da interpretação contra o predisponente.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça já teve oportunidade de manifestar-se sobre a forma como devem ser interpretados os contratos de adesão.

A Quinta Câmara Cível, no julgamento da AC n.º 588 018 648, ocorrido em 03/04/88, tendo por Relator o Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, assim se manifestou sobre o tema, antes mesmo da vigência do Código do Consumidor".

[8] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Alçada Cível. Ementa: Consórcio. Desistência ou exclusão de consorciado. Devolução quantias pagas. Correção monetária pretendida devolução sem correção monetária. Caráter abusivo da cláusula do contrato de adesão que a prevê. Apelação Cível nº 194215026. 5ª Câmara Cível. Relator: Juiz Márcio Borges Fortes. Luiz Augusto Coelho Braga. Julgado de 01 de dezembro de 1994 "Tem-se admitido revisão em contrato de adesão, porquanto são as cláusulas predispostas pelo poder público, e não derivadas da vontade das partes. Em contrato de consórcio, tipicamente de adesão, que prevê a devolução das parcelas pagas pelo consorciado desistente sem a devida correção monetária, flagra-se nítido desequilíbrio no tratamento entre contratantes, que merece ser corrigido pelo judiciário. Ao consorciado desistente ou excluído devem ser restituídas as parcelas pagas, uma vez liquidado o grupo, monetariamente corrigidas. Tem-se por não escrita cláusula abusiva, como a que, inserida em contrato de adesão, prevê a devolução das quantias pagas, uma vez liquidado o grupo, sem juros ou correção monetária, por importar em injustificado enriquecimento, com o qual não se compadece o direito".

[9] LÓPEZ, Juan José Marín. El ámbito de aplicación de la ley sobre condiciones generales de la contratación. In: Carol, Ubaldo Nieto y otros. op. cit., p 133.

[10] GOMES, Orlando. Contratos. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 120.

[11] LÓPEZ, Javier Pagador. op. cit., Barcelona: Marcial Pons, 1999, p. 336/338.

[12] LÓPEZ, Juan José Marín. El ámbito de aplicación de la ley sobre condiciones generales de la contratación. In: Carol, Ubaldo Nieto y otros. op. cit., p 137/138.

[13]RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. Leasing. Contrato em moeda estrangeira onerosidade excessiva. Revisão do contrato.  Apelação Cível nº 2001.001.08522. 9ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Wany Couto. Julgado de 13 de novembro de 2001 "Contrato de leasing em dólar. Alegação de ofensa ao Código do Consumidor (Lei 8078/98). Obrigatoriedade do cumprimento do pacto. Operações de financiamento por instituições financeiras sujeitam-se ao Codecon, eis que constituem serviços fornecidos no mercado de consumo, mediante remuneração de natureza bancária (art. 3º., § 2º., da Lei 8078/98). Cláusula que estabelece o reajuste das prestações pela variação do dólar - violação de três princípios consumeristas: o da transparência, porque não dá ao consumidor esclarecimentos necessários quanto ao risco assumido e o da confiança, por frustrar a sua legítima expectativa de continuar pagando as mesmas prestações ajustadas, até encerrar-se o contrato e o da boa-fé objetiva, ao transferir ao consumidor os riscos do negócio, os que devem ser suportados por quem dele se beneficia. Constitui rompimento da base negocial do contrato, ofendendo o art. 6º., V, do Codecon, que admite a revisão dos contratos quando se tornam excessivamente onerosos, ante fatos supervenientes inesperados, não se exigindo sejam imprevisíveis, mesmo se previsível a explosão do dólar, negada publicamente pelo Governo, responsável que é pela autorização. Desprovimento do apelo".

[14] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação de indenização. Dano patrimonial e moral. Obrigação de fazer. Defeito na prestação de serviço  pela CRT.  Apelação Cível nº 70000856583. 6ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Osvaldo Stefanello. Julgado de 28 de novembro de 2001" Nesse ínterim, já antes da citação e depois dela, a autora comunica que, a despeito da alegação da ré de falta de “condições técnicas”  para a transferência da linha, sua filha, a pedido, em maio/99,  conseguiu  cumprisse o mesmo serviço  em menos de uma semana, para o mesmo endereço, já que passara com a mãe residir por problemas de saúde. Atente-se que desse detalhe fez vistas grossas a CRT.

A linha da recorrente, ainda assim, só foi ligada na sua atual residência em outubro/99, cinco meses depois daquela  utilizada por sua filha. Realmente, não há como não deixar de  estranhar tais diferenças, mormente quando  o terminal deveria ser desligado de uma rua do  centro de Canoas, para outra,  também situada no centro, não sendo crível a alegação da CRT de falta de “condições técnicas no local” para a ligação do telefone em tempo razoável, não superior a um mês, respeitada a tal lista de espera.

De tudo isso resulta uma certeza. A prestadora de serviços não se desincumbiu de provar suas alegações, não se revelando correto impor à consumidora a prova de que tenha sido informada dos fatos impeditivos para o atendimento da solicitação, até porque dada a sua  hipossuficiência, lhe era impossível tal tarefa.

Acaso  acolhida  a tese da ré, poderia ela atribuir culpa por qualquer  mora na prestação do serviço  de ligações de terminais adquiridos e/ou transferências, p.e. a “falta de condições técnicas”, restando ao seu inteiro nuto eleger qualquer motivo a justificar  a demora.

Inteira aplicação à requesta tem o Código de Defesa do Consumidor  (art. 31),   forte no instituído  Princípio da Transparência, o mesmo da boa-fé, segundo o Código Civil,  quando impõe ao fornecedor o “dever de informar”, concentrado nas características do produto ou do serviço oferecido no mercado. Tal dever passou a representar no sistema do CDC, como dever básico (art. 6º, III), resultando em verdadeiro ônus atribuído aos fornecedores, parceiros contratuais ou não do consumidor.

A par disso, invoco o art. 46 do mesmo Digesto de Proteção ao Consumidor  que reza: “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo..”


Imagem Ilustrativa do Post: Notes // Foto de: Sebastjan Vodusek // Sem alterações

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