A COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA    

20/01/2019

 

1 – INTRODUÇÃO

                        A Constituição Federal estabelece a obrigatoriedade de filiação dos trabalhadores, sejam eles da iniciativa privada sejam do serviço público, ao sistema previdenciário. Tal filiação pode se dar tanto no INSS quanto no Regime Próprio de acordo com as regras específicas de cada um.

                        Ocorre que, com as modificações promovidas no texto constitucional que versa sobre a previdência dos servidores públicos, restou a controvérsia quanto a obrigatoriedade ou não de os Entes Federados instituírem regimes previdenciários para seus servidores.

                        Sendo que, em alguns Estados da Federação, tem se adotado o entendimento de que a ausência de tal regime e a conseqüente filiação dos servidores ao INSS enseja a obrigatoriedade de complementação dos valores a que teriam direito os ocupantes de cargos de provimento efetivo no momento de sua aposentadoria, caso essa se desse pelo Regime Próprio.

                        A chamada complementação de aposentadoria que será aqui abordada.

 

2 – OBRIGATORIEDADE DE INSTITUIÇÃO DO REGIME PRÓPRIO

                        O artigo 40 da Constituição Federal estabelece, desde a sua redação original, as regras de aposentadoria do servidor público, num primeiro momento para os servidores em geral e após 1.998 para os ocupantes de cargo de provimento efetivo e os vitalícios.

                        De outra monta, a Emenda Constitucional n.º 33/01 introduziu o § 1º ao artigo 149 da Carta Magna com a seguinte redação:

§1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social. 

                        Assim ao se analisar o presente dispositivo em conjunto com o artigo 40 a conclusão era no sentido de que compete a cada Ente Federado decidir acerca da instituição ou não de Regime Próprio de Previdência Social para seus servidores à medida que utilização da expressão “poderão instituir” a qual possui conotação autorizativa.

                        Ocorre que com o advento da Emenda Constitucional n.º 41/03 a redação do parágrafo foi alterada para:

1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. 

                        No novo texto a expressão autorizativa até então contida nele foi substituída por um verbo no imperativo “instituirão” dando a idéia de determinação, obrigação de fazê-lo.

                        Assim, surgem os primeiros entendimentos quanto à obrigatoriedade constitucional de que os Entes Federados criem previdências próprias para seus servidores, em razão do tempo verbal que caracteriza um mandamento constitucional.

                        Some-se a isso o teor do caput do artigo 40 da Constituição Federal onde as expressões “é assegurado” e “o disposto neste artigo”, assumem nítido caráter de direito subjetivo de natureza fundamental e social atribuído aos servidores públicos titulares de cargos efetivos e dever da Administração Pública em aplicá-lo, remetendo o intérprete para a compreensão de que esse universo de pessoas é destinatário de todas as demais normas constantes do artigo, incluindo seu caput, parágrafos, incisos e alíneas. Em outros termos: o regime jurídico previdenciário de todos os servidores titulares de cargos efetivos de todas as unidades federativas tem como fundamento o estatuto constitucional previsto no art. 40 da CF/88.[1]                     

                        De outro lado, figuram aqueles que defendem a inexistência de obrigatoriedade de instituição de Regime Próprio, afastando a literalidade dos dispositivos constitucionais, sob o argumento de que a criação de um regime previdenciário constitui-se em matéria afeta à autonomia dos Entes Federados lançada na própria Carta Magna, além de pressupor a viabilidade atuarial e financeira.

                        Para tanto afirmam que da mesma forma que a redação do caput do artigo 40 induz a conclusão de obrigatoriedade, impõe que tais regimes contem com viabilidade atuarial e financeira ao estabelecer a obrigatoriedade de observância do princípio do equilíbrio atuarial e financeiro.

                        Fica claro que o artigo 40 estabeleceu o equilíbrio financeiro e atuarial, ao lado do caráter contributivo e solidário, como princípio fundamental de estruturação e organização dos RPPS, mandamento cuja carga normativa impõe a sua observância tanto por parte do legislador, na definição das regras que o disciplinam, como parte dos administradores públicos, na sua gestão.[2]

                        Posicionamento também adotado pela Corte de Contas do Estado de Mato Grosso, conforme se depreende do voto do Conselheiro Valter Albano no processo n.º 26.938-7/2005, senão vejamos:

Feitas essas considerações, cumpre analisar se os municípios vinculados ao regime geral de previdência estão obrigados a instituir seus regimes próprios.
A Constituição Federal, através do seu art. 40 garante aos servidores públicos o regime de previdência de caráter contributivo, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.
O § 1º do art. 149, também da Carta Fundamental, impõe que o ente federado institua contribuição a ser cobrada de seus servidores.

Por fim, também o art. 201 da Constituição, com redação dada pela EC 20/98, impõe o caráter contributivo ao regime geral de previdência.

Conclui-se, dos dispositivos constitucionais mencionados, que a Constituição prevê, apenas e tão-somente, a obrigatoriedade de regime previdenciário contributivo para os servidores. Ou seja, desde que instituído o regime de previdência, o servidor ou trabalhador somente terá benefícios futuros se pagar, nos termos e valores fixados, a contribuição estabelecida legalmente. 
Ademais, o regime previdenciário deverá garantir o equilíbrio financeiro e atuarial, o que significa dizer, respectivamente, que as contribuições deverão ser suficientes para garantir os compromissos assumidos em cada exercício pelo respectivo fundo de previdência, e que as contribuições devem guardar consonância com os benefícios que serão pagos no futuro.
Essa mesma exigência de equilíbrio financeiro e atuarial dos regimes próprios está expressa no art. 69 da Lei Complementar n.º 101/00 - Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ressalte-se que a garantia de equilíbrio financeiro e atuarial é exigida reiteradamente em normas constitucionais e infraconstitucionais, com vistas a evitar que um ente federado comprometa suas receitas com o pagamento de benefícios previdenciários ou que o segurado se veja privado, no futuro, de um direito legítimo conquistado através das suas contribuições.

Assim, não tenho dúvidas que os entes federados somente deverão instituir seus próprios regimes de previdência, se forem capazes de garantir o mencionado equilíbrio. Impossibilitado de assegurar o pagamento de benefícios previdenciários aos seus servidores, nada impede que estes se filiem e contribuam para o regime geral, observado o disposto no § 5º do art. 201 da CF, que veda "a filiação ao regime geral de previdência social...de pessoa participante de regime próprio de previdência".

Esses são os fundamentos que embasam meu voto.

                        Cabendo-se ressaltar, desde já, que a complementação de aposentadoria somente é possível nos casos em que se adota a corrente que afirma a obrigatoriedade de instituição do Regime Próprio.

 

3 – PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR

                        Contudo, antes de se discutir a complementação da aposentadoria, faz-se necessário dar os contornos básicos da previdência complementar de forma a evidenciar a diferenciação entre ambas.

                        A previdência complementar surge inicialmente destinada ao público em geral, mas especial aos segurados do Regime Geral de Previdência Social, uma vez que neste adotou-se o conceito de que o benefício custeado por ele deveria se constituir em um valor que ofertasse ao segurado recursos suficientes para o custeio das necessidades tidas como mínimas no âmbito social.

                        Assim, estabeleceu-se o limite máximo do salário de benefício, passando o Regime Geral a se constituir em um regime previdenciário básico à medida que as contribuições a ele destinada tem por objetivo proporcionar benefício em valor suficiente para custear esse mínimo social.

                        Entretanto, não se pode perder de vista o fato de que dentre os segurados do Regime Geral existem vários cujo salário recebido em razão de seu labor ultrapassa a o limite máximo de benefício definido para o INSS.

                        Valores esses que ao longo do tempo vão sendo incorporados ao dia a dia do segurado e de sua família, razão pela qual a sua redução pode proporcionar um desequilíbrio nas finanças daquele grupo familiar.

                        Assim, ante a limitação do regime básico, o papel de assegurar a mantença do padrão de vida do segurado e/ou de sua família após sua aposentadoria passou à previdência complementar.

                        Constitui-se em sistema securitário privado e facultativo, almejando anteder as pessoas que desejam gozar a velhice com maior conforto, tendo ingressos superiores ao teto do RGPS.[3]

                        Com a edição da Emenda Constitucional n.º 20/98 autorizou-se que os Entes Federados, possuidores de Regimes Próprios de Previdência Social, instituem-se, para seus servidores, regimes complementares de previdência, sendo que a partir da instituição os benefícios pagos pelo regime básico (no caso os RPPSs) estarão limitados ao teto do INSS.

                        O fato é que independentemente de se tratar de regime complementar privado ou público, a previdência complementar, possui regras atinentes à necessidade de filiação e de contribuição, bem como a observância do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema.

 

4 – COMPLEMENTAÇÃO DA APOSENTADORIA

                        Já a complementação de aposentadoria, conforme já dito, exige, inicialmente, que se adote o entendimento de que a instituição de Regime Próprio de Previdência é obrigatória para todos os Entes Federados.

                        Além disso, é preciso que o respectivo Ente não tenha promovido essa instituição e, consequentemente, filiado todos os seus servidores ocupantes de cargos efetivos e/ou vitalícios no INSS.

                        Preenchidas essas condições é que surge o possível direito à complementação de aposentadoria, isso porque sua concretização ainda depende da verificação se de fato aquele servidor faria jus a valores superiores ao limite máximo do salário de benefício do INSS.

                        Isso decorre do fato de que, hoje, encontra-se no serviço público ocupantes de cargos efetivos que podem se aposentar por regras de transição que lhe asseguram proventos idênticos à sua última remuneração.

                        E de outro lado servidores cujos proventos são limitados à última remuneração seja por serem calculados tomando por base a média de suas contribuições seja pelo fato de se aplicar aos mesmos a proporcionalidade.

                        Essa distinção é constatada ao se analisar o direito à aposentadoria do servidor, já que a forma de cálculo dos proventos é definida de acordo com a regra em que se dará ou poderia se dar sua inativação.

                        A expressão “poderia se dar sua inativação” é justamente o norteador da possibilidade de complementação da aposentadoria, já que o direito à mesma pressupõe que, no momento em que o servidor se aposentou pelo INSS, em razão da inexistência de Regime Próprio, demonstre que cumpriu os requisitos para se aposentar pela previdência do servidor e que ao se calcular seus proventos com base na regra para a qual cumpriu os requisitos seus proventos teriam valor superior ao Regime Próprio.

                        Exemplificando:

Imagine um ocupante de cargo de provimento efetivo cuja última remuneração foi de R$ 10.000,00 e que no momento de sua aposentadoria, preencheria os requisitos para se aposentar pelo artigo 6º da Emenda Constitucional n.º 41/03 (regra essa que autoriza sua inativação com proventos correspondentes a sua última remuneração).

Entretanto seu Ente Federado não instituiu Regime Próprio, motivo pelo qual sua aposentadoria se dará pelo INSS, onde seus proventos correspondem, no máximo, a R$ 5.645,80 (cinco mil, seiscentos e quarenta e cinco reais e oitenta centavos).

Nesse caso, em se adotando entendimento no sentido de que o Regime Próprio é de instituição obrigatória, o Ente Federado será compelido a pagar o valor correspondente à diferença entre o benefício previdenciário pago pelo INSS e aquele a que teria direito se houvesse previdência do servidor.

Hipótese em que o valor da complementação seria de R$ 4.354, 20 (quatro mil, trezentos e cinquenta e quatro reais e vinte centavos).

                        É preciso destacar que a complementação de aposentadoria pode decorrer tanto de previsão legal expressa do respectivo Ente Federado ou ainda de entendimentos jurisprudenciais, como o ora apresentado:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. SERVIDOR PÚBLICO DO MUNICÍPIO DE BELMONTE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO ENTE MUNICIPAL.   SERVIDORA MUNICIPAL APOSENTADA PELO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL EM RAZÃO DA EXTINÇÃO DO INSTITUTO MUNICIPAL DE PREVIDÊNCIA DE BELMONTE. PRETENSÃO VISANDO COMPLEMENTAR OS PROVENTOS, PORQUANTO RECEBIDOS EM QUANTIA INFERIOR AO VALOR DA REMUNERAÇÃO AUFERIDA ENQUANTO ESTAVA NA ATIVA. AUSÊNCIA, CONTUDO, DE IMPLEMENTO DOS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS PARA A APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA COM PROVENTOS INTEGRAIS NO SERVIÇO PÚBLICO. DECISUM A QUO REFORMADO. RECURSO PROVIDO. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA INVERTIDO, OBSERVADA A GRATUIDADE DA JUSTIÇA.   "O servidor que se aposenta pelo regime de previdência social geral (INSS), tem direito à complementação de seus proventos à conta do orçamento do Município. Contudo, se o servidor não preencheu um dos requisitos para aposentadoria voluntária como servidor público efetivo (tempo de contribuição, idade e outros), não faz jus à referida complementação da aposentadoria (AC n. 2014.026570-2, de Itapiranga, Relator: Des. Jaime Ramos, 4ª Câm. Dir. Púb., j. 04/09/2014)" (Apelação Cível n. 2012.022518-0, Relator: Des. Jorge Luiz de Borba, Grupo de Câmaras de Direito Público, j. 10/12/2014)." (TJSC, Apelação Cível n. 2012.079295-9, de Descanso, rel. Des. Paulo Ricardo Bruschi, j. 10-12-2015). (TJSC, Apelação Cível n. 2014.057794-4, de Descanso, rel. Des. Carlos Adilson Silva, Primeira Câmara de Direito Público, j. 15-03-2016).

                        Sendo que alguns aspectos inerentes à mesma merecem destaque.

 

5 – INEXISTÊNCIA DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA

                        O fato de os valores pagos se destinarem a complementar uma possível aposentadoria, por si só não faz com que tais valores revistam-se de natureza previdenciária.

                        Para que um benefício possa revestir-se da natureza previdenciária, faz-se necessário que haja previsão legal local acerca da criação do Regime Próprio, com todos os contornos exigidos pela Constituição Federal e pela legislação nacional.

                        Dentre os quais pode se ressaltar a previsão legal de contribuição previdenciária paga pelo servidor e pelo Ente Federado, contendo, também e no mínimo, as regras para concessão de aposentadorias e pensões.

                        O Ministério da Previdência, hoje incorporado ao Ministério da Fazenda, fazendo uso de seu poder orientativo previsto na Lei n.º 9.717/98, afirmou na Orientação Normativa n.º 02/09 que:

Art. 3º Considera-se instituído o RPPS a partir da entrada em vigor da lei que assegurar a concessão dos benefícios de aposentadoria e pensão, conforme previsto no inciso II do art. 2º, independentemente da criação de unidade gestora ou do estabelecimento de alíquota de contribuição, observadas as condições estabelecidas na própria lei de criação, vedada a instituição retroativa.

                        Some-se a isso o fato de que o artigo 40 da Constituição Federal, impõe o caráter contributivo ao Regime Próprio, a observância do equilíbrio atuarial e financeiro, a concessão compulsória de aposentadoria, a obrigatoriedade do caráter contributivo.

                        Portanto, a ausência de observância desses pressupostos, afasta a natureza previdenciária do benefício, ainda que lhe seja emprestado legal ou popularmente o nome de aposentadoria ou pensão.

                        E, pelo que se depreende das normas reguladoras e de alguns entendimentos que ensejam o direito ao pagamento da complementação de aposentadoria, está-se diante de uma expectativa frustrada de obtenção de uma aposentadoria junto a um Regime Próprio em decorrência de sua inexistência.

                        Assim, uma vez não preenchidos os pressupostos previdenciários mínimos estabelecidos pelo Texto Maior, não pode a dita complementação revestir-se de natureza previdenciária.

 

6 - OBRIGATORIEDADE DE INSTITUIÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO

                        Analisando as características que permeiam a complementação da aposentadoria, a primeira conclusão obtida é no sentido de que não se trata de benefício custeado pelo regime básico, muito menos se reveste da característica dos benefícios pagos pela previdência complementar.

                        De outra monta o caráter contributivo é inerente aos regimes previdenciários, seja ele o básico seja o complementar, já que em ambos o benefício se constitui em retribuição decorrente das contribuições vertidas para um dos sistemas.

                        A instituição da complementação da aposentadoria, ainda que em decorrência do entendimento de obrigatoriedade de instituição do Regime Próprio de Previdência Social, não impõe ou induz a criação de contribuição para seu custeio.

                        Por outro lado, não se pode ignorar o fato de que alguns Entes Federados tem regulado, por lei, a sua concessão e estabelecido a necessidade de realização de contribuições para o recebimento da complementação da aposentadoria.

                        Fato que, por si só, não a torna previdenciária, mas pode lhe impor a condição de benefício assistencial e como tal, deve observar o princípio da contrapartida segundo o qual a criação de benefício ou mesmo a mera extensão de prestação já existente, somente será feita com a previsão da receita necessária.[4]

                        Assim, é possível afirmar que a exigência de contribuição decorre não de sua natureza previdenciária, mas sim por poder vir a se tratar de um benefício assistencial instituído pelo Ente Federado, o qual também se encontra sujeito ao princípio da contrapartida previsto no § 5º do artigo 195 da Constituição Federal.

                       

7 – AUTONOMIA DOS ENTES FEDERADOS

                        Além de todos os aspectos levantados que permeiam a complementação de aposentadoria, um dos principais reside no fato de o entendimento de que a obrigatoriedade de instituição de Regime Próprio de Previdência Social afronta diretamente a autonomia constitucional dos Entes Federados.

                        A autonomia é a capacidade de agir dentro de círculo preestabelecido, como se nota pelos arts. 25, 29 e 32 que a reconhecem aos Estados, Municípios e Distrito Federal, respeitados os princípios estabelecidos na Constituição.[5]

                        Essa autonomia se caracteriza pela auto-organização, pelo autogoverno e autoadministração, atributos que abarcam diretamente a decisão acerca da instituição ou não de um Regime Previdenciário em favor dos servidores públicos.

                      A autonomia decorre do pressuposto do modelo de federalismo adotado pela Constituição brasileira insculpido nos artigos 1º e 18 do Texto Magno in verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

...

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

                        Na condição de pressuposto do pacto federativo adotado, a autonomia dos Entes Federados integra a relação de cláusulas pétreas contidas no Texto Magno, as quais não podem ser objeto sequer de redução ainda que em decorrência de uma Emenda Constitucional.

                        Portanto, as modificações constitucionais não podem atuar de forma a reduzir a autonomia dos Entes Federados e analisando a interpretação e os fatos históricos que ensejam o entendimento de que a instituição de Regime Próprio é obrigatória verifica-se que a mesma funda-se em modificação na redação do § 1º do artigo 149 que não integra o núcleo duro da Carta Magna.

                        Dessa forma, não se pode admitir que sua alteração possa impingir obrigação aos Entes Federados que consista na retirada da autonomia organizacional dos mesmos, por estar essa eivada de inconstitucionalidade.

                        Posicionamento já adotado pelo Supremo Tribunal Federal, senão vejamos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL - INSTITUIÇÃO DA PENA DE MORTE MEDIANTE PRÉVIA CONSULTA PLEBISCITÁRIA - LIMITAÇÃO MATERIAL EXPLÍCITA DO PODER REFORMADOR DO CONGRESSO NACIONAL (ART. 60, § 4º, IV) - INEXISTÊNCIA DE CONTROLE PREVENTIVO ABSTRATO (EM TESE) NO DIREITO BRASILEIRO - AUSÊNCIA DE ATO NORMATIVO - NÃO-CONHECIMENTO DA AÇÃO DIRETA. - O direito constitucional positivo brasileiro, ao longo de sua evolução histórica, jamais autorizou - como a nova Constituição promulgada em 1988 também não o admite - o sistema de controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade, em abstrato. Inexiste, desse modo, em nosso sistema jurídico, a possibilidade de fiscalização abstrata preventiva da legitimidade constitucional de meras proposições normativas pelo Supremo Tribunal Federal. Atos normativos "in fieri", ainda em fase de formação, com tramitação procedimental não concluída, não ensejam e nem dão margem ao controle concentrado ou em tese de constitucionalidade, que supõe - ressalvadas as situações configuradoras de omissão juridicamente relevante - a existência de espécies normativas definitivas, perfeitas e acabadas. Ao contrário do ato normativo - que existe e que pode dispor de eficácia jurídica imediata, constituindo, por isso mesmo, uma realidade inovadora da ordem positiva -, a mera proposição legislativa nada mais encerra do que simples proposta de direito novo, a ser submetida à apreciação do órgão competente, para que de sua eventual aprovação, possa derivar, então, a sua introdução formal no universo jurídico. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem refletido claramente essa posição em tema de controle normativo abstrato, exigindo, nos termos do que prescreve o próprio texto constitucional - e ressalvada a hipótese de inconstitucionalidade por omissão - que a ação direta tenha, e só possa ter, como objeto juridicamente idôneo, apenas leis e atos normativos, federais ou estaduais, já promulgados, editados e publicados. - A impossibilidade jurídica de controle abstrato preventivo de meras propostas de emenda não obsta a sua fiscalização em tese quando transformadas em emendas à Constituição. Estas - que não são normas constitucionais originárias - não estão excluídas, por isso mesmo, do âmbito do controle sucessivo ou repressivo de constitucionalidade. O Congresso Nacional, no exercício de sua atividade constituinte derivada e no desempenho de sua função reformadora, está juridicamente subordinado à decisão do poder constituinte originário que, a par de restrições de ordem circunstancial, inibitórias do poder reformador (CF, art. 60, § 1º), identificou, em nosso sistema constitucional, um núcleo temático intangível e imune à ação revisora da instituição parlamentar. As limitações materiais explícitas, definidas no § 4º do art. 60 da Constituição da República, incidem diretamente sobre o poder de reforma conferido ao Poder Legislativo da União, inibindo-lhe o exercício nos pontos ali discriminados. A irreformabilidade desse núcleo temático, acaso desrespeitada, pode legitimar o controle normativo abstrato, e mesmo a fiscalização jurisdicional concreta, de constitucionalidade. (ADI 466 MC, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 03/04/1991, DJ 10-05-1991 PP-05929 EMENT VOL-01619-01 PP-00055)

EMENTA: - Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisorio sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precipua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no paragrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutaveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos politicos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistencia social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periodicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequencia, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidencia do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993. (ADI 939, Relator(a):  Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755)

                        Portanto, o entendimento no sentido de que a instituição de Regime Próprio reveste-se de obrigatoriedade e nessa condição a sua não implantação impõe o pagamento da complementação da aposentadoria reveste-se de inconstitucionalidade por ofensa direta ao pacto federativo brasileiro.

                        Além disso, vale lembrar que a Constituição Federal impõe aos Entes Federados a instituição de um regime jurídico único para regular suas relações com seus agentes públicos, entretanto, em momento algum define qual será esse, podendo, portanto, haver a opção entre o regime celetista ou o estatutário.

                        Enquanto que a criação de Regime Próprio pressupõe a existência de regime jurídico estatutário, então, ao se impor a sua instituição estar-se-á obrigando, ainda que indiretamente a adoção do regime jurídico estatutário, o que caracteriza outra ofensa direta à autonomia dos Entes Federados.

 

8 – INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO

                        A complementação da aposentadoria, em alguns casos muito específicos, decorre do entendimento de que a extinção do Regime Próprio, hipótese em que o Ente Federado seria responsável pela manutenção dos benefícios.

                        De fato a Lei n.º 9.717/98 estabelece que:

Art. 10. No caso de extinção de regime próprio de previdência social, a União, o Estado, o Distrito Federal e os Municípios assumirão integralmente a responsabilidade pelo pagamento dos benefícios concedidos durante a sua vigência, bem como daqueles benefícios cujos requisitos necessários a sua concessão foram implementados anteriormente à extinção do regime próprio de previdência social.

                        Contudo, o texto legal é claro ao afirmar a obrigação de custeio dos benefícios já concedidos e daqueles cujos requisitos para a sua concessão já foram preenchidos, assegurando a observância das regras atinentes ao direito adquirido.

                        Ocorre que, em termos previdenciários, o direito adquirido se configura quando preenchidas todas as exigências para a inativação, assim, a opção pela extinção de um Regime Próprio, exercida pelo Ente Federado, não assegura nenhum direito àqueles que ainda não tiverem preenchido todas as exigências constitucionais para se aposentarem.

                        Hipótese em que serão filiados ao Regime Geral e terão que cumprir as exigências legalmente estabelecidas para a aposentadoria junto ao INSS.

                        Então, o entendimento de que a extinção do Regime Próprio enseja a instituição da complementação de aposentadoria em favor daqueles que não preencheram os requisitos para a inativação, em verdade, constitui-se em reconhecimento da existência de direito adquirido a regime jurídico, o que o Supremo Tribunal Federal já entendeu ser impossível.

 

                        Nesse sentido:

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO A REGIME JURÍDICO E À FORMA DE CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO. PRECEDENTES. RECURSO MANIFESTAMENTE INADMISSÍVEL. 1. O Supremo Tribunal Federal possui firme entendimento no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico, sendo assegurada somente a irredutibilidade de vencimentos. Precedentes. 2. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 25% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (ARE 780047 AgR-segundo, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 23/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-070 DIVULG 11-04-2018 PUBLIC 12-04-2018)

EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Administrativo. Servidor público. Direito adquirido a regime jurídico. Inexistência. Repercussão geral reconhecida (RE nº 563.965/RN-RG). Reafirmação da jurisprudência. Precedentes. 1. O Supremo Tribunal Federal, no exame do RE nº 563.965/RN, com repercussão geral reconhecida, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, reafirmou a jurisprudência de que não há direito adquirido a regime jurídico ou a fórmula de composição da remuneração dos servidores públicos, desde que assegurada a irredutibilidade de vencimentos. 2. Agravo regimental não provido. 3. Majoração da verba honorária em valor equivalente a 10% (dez por cento) do total daquela já fixada (art. 85, §§ 2º, 3º e 11, do CPC), observada a eventual concessão do benefício da gratuidade da justiça. (RE 1090752 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 23/02/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-043 DIVULG 06-03-2018 PUBLIC 07-03-2018)

 

                        Assim, não há que se falar em complementação de aposentadoria quando houver a extinção do Regime Próprio.

 

 

Notas e Referências

[1] CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS. 4ª edição, editora Juruá, página 92.

[2] NOGUEIRA, Narlon Gutierre. O EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DOS RPPS: DE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL A POLÍTICA PÚBLICA DE ESTADO, Coleção Previdência Social, editada pelo Ministério da Previdência, Volume 34, página 187.

[3] MARTINS, Bruno Sá Freire. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO. 2ª edição, editora LTr.

[4] IBRAHIM, Fábio ZAMBITTE. CURSO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO. 22ª edição, editora Impetus, página 76.

[5] SILVA, José Afonso da. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO. 20ª editora, editora Malheiros, página 482.

 

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