A atuação do Procurador do Estado no exercício do direito de regresso do Estado previsto no §6º do art. 37 da Constituição: breves considerações – Por Célia Iraci da Cunha

12/03/2017

A Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina regulamentou, mediante a Portaria PGE/GAB n. 59, de 16.08.2016, procedimentos a serem adotados no âmbito de seus respectivos órgãos de execução para a responsabilização de agentes públicos na forma prevista no §6º do art. 37 da Constituição da República, o qual prevê que “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

A possibilidade de exercício do direito de regresso implica em uma série de análises e tomada de decisão de competência do Procurador do Estado. Algumas das questões jurídicas que essa decisão levanta são: como caracterizar a culpa ou o dolo do agente público quando a ação principal basear-se na responsabilidade civil objetiva; qual o momento do ajuizamento da ação regressiva tendo em conta o prazo prescricional; quais as formas mais adequadas para o exercício do direito de regresso diante da processualística vigente; como não permitir que recaia sobre uma única pessoa, o servidor ou agente público, a responsabilidade sobre falhas estruturais do Estado, tampouco que se caracterizem como inerentes à atividade estatal. Penso que também se deve ter em mente o intuito moral e finalístico da medida.

Após pesquisas sobre o tema, observo que a ação regressiva por parte dos entes estatais não é prática muito comum. Penso que há um motivo plausível para isso: as falhas dos serviços públicos que causam os danos indenizados são, na maioria das vezes, decorrentes da [falta de] estrutura do Estado. Portanto, já, em um primeiro momento, pode-se dizer que, em se tratando de responsabilidade civil por omissão, não há que se cogitar de direito de regresso. Exceção a isso, seria uma omissão culposa, com identificação inequívoca do agente faltoso, que tenha agido com imprudência, negligência ou imperícia, ou até mesmo por dolo.

Sobre esse tema, o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, sempre recordado, acerca da responsabilidade civil do Estado por omissão, é o que, de fato, melhor interpreta a letra da Constituição, pois esta prevê a responsabilidade civil por danos causados a terceiros por agentes no exercício do serviço público. No entanto, a jurisprudência, cada vez mais, vem alargado a responsabilidade civil do Estado, mesmo em casos de omissão. Exemplo disso, os julgamentos recentes do Supremo Tribunal Federal acerca da responsabilidade civil do Estado no caso de morte de detento em estabelecimentos prisionais e de condições carcerárias consideradas inadequadas (Recurso Extraordinário [RE] 841526 e Recurso Extraordinário [RE] 580252). Em ambos os casos, não há um dano causado por agente público, mas omissões que foram consideradas causadoras de danos indenizáveis, independentemente do elemento subjetivo.

Nessas hipóteses de responsabilização estatal, e em outras assemelhadas, que decorrem da falha estrutural do serviço, da insuficiência do serviço, da sua ineficiência, não há, “a priori”, direito de regresso. Primeiro, porque a Constituição exige a conduta de agente público dolosa ou culposa. Também, porque seria antiético e antijurídico imputar a um indivíduo a responsabilidade por omissões que não decorram de seu dever de agir.

Caracterizado no processo de conhecimento transitado em julgado a prática de ato doloso ou culposo por determinado agente público, é o caso de se questionar quando nasce a ação a tutelar o direito de regresso. Tem-se entendido que a ação nasce a partir do efetivo pagamento da indenização, pois é quando ocorre o dano ao patrimônio do Estado.

Essa solução tem como efeito colateral o transcurso de largo período de tempo desde o evento danoso até o autor do fato tomar conhecimento deste para apresentar sua defesa, o que pode prejudicar a formação do juízo do Procurador do Estado acerca da efetiva responsabilidade civil por dolo ou culpa do agente. Para evitar essa situação, que leva a que não se identifiquem com certeza os responsáveis pelos eventos causadores de danos no âmbito do Estado, a Portaria recomenda ao Procurador que, já no momento da defesa no processo principal, questione o órgão público em que o alegado fato ocorreu acerca da apuração de eventual responsabilidade de agente e, não tendo havido essa apuração, que a solicite.

Além de analisar o dolo e a culpa do agente cuja conduta tenha causado dano a terceiros, a Portaria recomenda que o Procurador do Estado averigue a viabilidade da tese jurídica do direito de regresso, a presença de conjunto probatório suficiente, o limite mínimo previsto em lei para o ajuizamento de ações, bem como o prazo prescricional para o seu ajuizamento.

O STF decidiu recentemente pela prescritibilidade das ações condenatórias de ressarcimento por danos ao erário decorrentes de ilícitos civis nos autos do RE 669.069/MG, em contrariedade a jurisprudência até então adotada de imprescritibilidade de tais ações, em interpretação do §5º do art. 37 da Constituição. Sendo prescritível tal ação, aplica-se-lhe a lei civil, no caso, o prazo do §3º do art. 206 do Código Civil.

A decisão do Procurador do Estado que levar ao não ajuizamento da ação de regresso deverá, como todo ato administrativo, ser motivada.

Não há previsão na Portaria, mas entendemos ser possível ao Procurador optar por meios alternativos de resolução do conflito em caso de decisão pela responsabilidade do agente público.

Uma das vias é a Tomada de Contas Especial, a qual, no âmbito do Estado de Santa Catarina, é regulamentada pelo Decreto n. 1.886/13.

Também é possível a submissão do caso à câmara de prevenção e resolução administrativa de conflitos previstas na Lei federal n. 13.140/2015 que for instituída no Estado de Santa Catarina, a exemplo da que já existe no Estado do Rio Grande do Sul (Resolução PGE/RS n. 112, de 13 de dezembro de 2016).

Em casos em que não for constatada a culpa ou o dolo do servidor, mas sim uma mera falha ou do serviço, do órgão ou do próprio indivíduo, uma mera insuficiência no exercício do cargo ou da função pública, o procedimento deve ser conduzido de forma educativa, com vistas a que se encontrem meios de melhorar a prestação do serviço, evitando-se novos danos.

Por fim, entendo que a instituição do procedimento para análise do cabimento do exercício do direito de regresso pelos Procuradores do Estado, a par de cumprir com previsão constitucional acerca do tema, visa a aprimorar o desempenho e a eficiência dos serviços prestados pelo Estado, seja responsabilizando exemplarmente os servidores que agirem deliberadamente e com desídia no exercício do cargo, seja identificando falhas humanas ou operacionais em busca de sua correção.


 

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